quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Política (a passeata)

Chegando na passeata o Barba me apresentou para todo mundo.

- Este é o Rica. Grande lutador.

- E aí companheiro Rica, firme na luta?

Rica já era ruim; companheiro Rica era de cortar os pulsos. Se meu pai ouvisse eu ajudava ele a me dar uma surra.

- Firme, sempre na luta.

- Grande companheiro. Qual a tua principal frente de batalha?

Pergunta difícil, de primeira. E eu aqui desarmado. Pensei em responder a verdade: “Minha principal frente de batalha é a máquina de lavar roupa que estragou e a fechadura da porta do meu quarto que não tranca e a mãe entra quando quiser”, mas ficaria chato. Decidi resumir:

- Minha principal frente é a exploração do trabalho.

- Redução das 40 horas semanais já!- Gritou o Barba

- Redução das 40 horas!- gritou o outro companheiro.

- Redução, redução! - Engatei eu.

Até que eu me dava bem na política.

Política

Sempre odiei política. Nunca entendi aquelas pessoas com cara de espantalho segurando bandeira de partido. Porque eu votaria em um candidato que paga alguém para segurar uma bandeira?

Lá na faculdade o pessoal não pensava assim, todo mundo era engajado. Hippie do século 20 tem que entender de política e ser de esquerda. Tinha passeata, bandeirada, grito de guerra e até apito. A coisa era dividida entre a turma do PSTU, bem radical, sempre na gritaria e com barba de dar inveja em profeta e a galera do PT, que era mais suave: alguns com a barba bem afeitada, gurias interessantes e ainda por cima depiladas (um luxo).

No meio desta confusão sempre achei que guerreiro mesmo era eu, que travava uma batalha diária lá em casa, no corpo a corpo. Não é fácil passar 8 anos na faculdade ou sustentar esta barba cheia de falhas. Mas eu sei que é assim que se mostra para o mercado de trabalho que ele não manda na gente e que não somos escravos da moda.. Fazer a barba todo o dia é alienação.

Mas na faculdade não tinha papo. Ou ia bater panela ou ia ter que admitir que nas últimas eleições eu tinha votado no PSDB. Na sigla. Coisa do meu pai que me convenceu com um argumento razoável:

-Guri, ou tu vota no PSDB ou não te largo aquela grana no final do ano.

Achei justo. Votei.

Mas depois de dois anos na filosofia eu estava decidido a fazer parte da construção de um novo país. Não podia ser tão ruim: caminhadinha no centro, conversar com os amigos e jogar um charme de rebelde para as gurias.

Nesta época o Barba me convidou para ir a uma passeata grande (o Barba era PT, um dos radicais, meio passo à esquerda e virava PSTU):

- Rica, tem até candidato a presidente. Tu vai na linha de frente comigo. Emoção na certa!

Topei

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Violão

Todo hippie tem que saber tocar violão. Não é uma regra, como não poder usar roupas de marca, não poder ir ao shopping ou ter que gostar da Janes Joplin. Mas é necessário para qualquer um que queira tentar comer alguém em um luau, por exemplo.

Como eu não tinha nem ideia de como se segurava uma viola resolvi pegar um atalho. Percebi que toda festa tinha um magrão que gritava, "Toca Raul!". Não precisa ser gênio para pensar: "Tenho que aprender Raul".

Fiz isso, foi fácil. Nas festas eu espreitava. Às vezes demorava, mas o grito esperado sempre vinha, "Toca Raul", e eu, mais que ligeiro:

-Boa! Deixa pra mim. Raul é minha especialidade.

Na maioria das vezes tinha que ser rápido, porque devia ter mais gente com a mesma tática. Era só sair o grito que levantavam uns três ou quatro. A coisa não era fácil, muita competitividade.

Era necessário aprimorar a técnica. Aprender mais músicas estava fora de cogitação (eu sou péssimo com música), decidi usar a criatividade.

Primeiro tentei gritar "Toca Raul" meio pelo canto da boca para logo puxar o violão. Não deu certo. O grito saía fraco e a vez que consegui o cara que estava com o violão já engatou.

Eu precisava de mais vantagem. Precisava estar com os braços soltos para tomar a frente: agarraria o violão e ai de quem se agitasse. Alta competitividade, como expliquei.

Então lembrei do Gabi. Como o negócio dele não tinha nada a ver com mulher, topou me ajudar. Era simples. Quando tinha alguma gata em volta eu fazia o sinal: coçar o cavanhaque. Ele preparava o grito e eu o pulo. Era tudo rápido, não tinha espaço para ninguém meter a mão. Só dava eu.

A tática foi um sucesso. Eu pegava o violão seguido, mas não comia ninguém.

O Gabi que me deu o toque:

-Ricardo, mulher só dá para cara que canta Zeca Baleiro.

Eu estava perdido, Zeca Baleiro no violão é foda.

domingo, 15 de agosto de 2010

Mãe

Mãe só tem uma, graças a Deus. Eu, provavelmente, não resistiria a duas ou três.
A minha mãe tem um pouco mais de um metro e meio e é capaz de fazer um estrago de deixar qualquer sogra com água na boca.

Eu desenvolvi uma teoria, não muito filosófica, que mãe tem um dom especial. É um tipo de veneno mortal: qualquer mãe é capaz de terminar com um dia tão logo ele comece. É algo que acontece basicamente pela manhã. Deve ter relação com os sonhos, com o inconsciente, talvez com o Freud. Não sei. Só sei que "O que vai fazer hoje?" ou "Qual a programação do dia?", deixa qualquer marmanjo de pernas bambas.

Mas justiça seja feita: mãe é a única pessoa que acredita tanto na gente que acha vagabundagem um tipo de distúrbio. Foram as mães que inventaram a hiperatividade, o DDA e estas coisas. Não resta dúvida.

A minha velha era assim. Ela não aguentava me ver tranquilo o dia todo, tocando violão, curtindo uma TV e tomando mate no final de tarde (uma beleza de dia, convenhamos). Estava sempre procurando um problema, fuçando na direção da minha vida.

Ficar em casa era uma tensão. Sem aviso ela escancarava a porta do meu quarto, parecendo um furacão de um metro e meio e atacava. Sempre a mesma frase:

-Ricardo, meu filho, eu estive pensando.

Se a mãe não pensasse eu teria só metade das minhas dores nas costas. Quando ela pensava era galho na certa. Imagino que devia ficar lá, lavando a louça, preparando o jantar ou estendendo roupa e matutando, matutando, até que surgiam, não sei de onde, algumas ideias brilhantes. Como essa:

-Ricardo, tu estás deprimido?

-Quê?

-Eu estive pensando. Tu passas o dia aí, jogado, sem ânimo para nada. Não te vejo pegar nos livros! E tu estás com uma aparência de doente.

-Quê??

-É, magro, abatido. Tu precisas de ajuda? Vamos arrumar uma terapia para ti.

-Quê?? Velha, eu toco violão todos os dias e .... Vou na padaria.

Não ia colar, óbvio.

-Ricardo, tocar violão não é uma atividade. E tu não tocas nada. Nunca te vi tocar uma música.

-É um processo demorado. O avanço é gradual.

-Não quero saber. Liga para o teu pai.

Pronto, acabou com o meu dia. Ligar para o meu pai era sempre um caso à parte.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sutilezas da resistência

Ser hippie não é fácil. Eu já falei isso mais de uma vez, eu sei, mas cada vez que recordo dos tempos difíceis, bate uma depressão.

A coisa que mais incomoda é o julgamento alheio. As pessoas não entendem que não fazer nada faz parte do processo de ser hippie. Não fazer nada é estar sendo hippie. Difícil!

Ninguém entende menos isso do que a mãe da gente, que geralmente é a única pessoa que aceita nos sustentar.

A minha mãe nunca me compreendeu, a melhor coisa que ela fez foi me largar de mão. Mas foi uma difícil batalha até que eu atingisse a tranquilidade necessária. Travei uma guerra cheia de artimanhas e pequenos truques. Eu vivia nos pequenos golpes.
Quando entrei no quinto ano de faculdade a coisa atingiu um patamar crítico.

-Ricardo, quantos anos tem esta faculdade de filosofia? Tu estás tirando medicina?

A minha mãe falava tirar faculdade. Aí não dá. Para uma pessoa que fala tirar faculdade não adianta argumentar que a filosofia é a medicina da alma, coisa que eu tinha lido na parede do Adriano, bar que nós da resistência à burguesia frequentávamos.
Ela estava decidida a ganhar terreno e sentenciou:

-Se tu não trabalhas na rua vais trabalhar em casa. A partir de hoje tu fica com os afazeres domésticos. Lava a roupa da casa, a louça, organiza as coisas. Vai gastar este tempo livre cuidando de nós.

Aí fodeu!

Tinha que passar um bom tempo cuidando do lar e a lida doméstica dá um trabalho que só eu sei. Aprendi de tudo neste período. Passar aspirador no capricho, cera com pano de lã para dar mais brilho, cuidar das roupas para não manchar na máquina. Eu virei um escravo.

Mas entendi o que os pensadores querem dizer quando falam das formas sutis que a resistência assume.
Como ela não largava do meu pé, sempre cuidando se o Ricardinho estava levando a sério a empreitada, eu descobri que lavar roupa era um grande remédio. Nossa lavanderia pegava um sol especial pela manhã. Então toda dia eu lavava roupa. Colocava roupa na máquina, pegava um livro e ficava na área de serviço, olhando o movimento da máquina de lavar enquanto curtia um sol. Quando ela gritava por mim, eu respondia triunfante, ainda deitado na cadeira de praia:

-Já vou mãe. Lavando roupa.

-Cuida com as manchas, Ricardo.

-Claro, vou passar Resolv.

O alvejante me devolveu o branco da paz. Não por muito tempo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Shopping 2

Chegando no shopping fui direto para o Mc Donald's. De canto de olho eu cuidava um lado e outro. Se alguém me visse todo o esforço de quatro anos de faculdade ia por água abaixo. Ser visto no shopping com a mãe, comendo um Big Mac, é o fim da carreira de qualquer cidadão.

Enquanto eu estava lá, realizando o desejo, mergulhando aquela batata frita cheia de sal no ketchup, eu vi o Barba passeando no shopping.

O Barba no shopping era caso de chamar o Ibama. Aquela figura, no meio da praça de alimentação, com calça larga, camiseta sem gola, orelha furada, barba e cabelo formando uma só juba podia morder qualquer um.
Fiquei me escondendo atrás do Big Mac, enfiei a cabeça na batata frita. Ele não me viu.

A sessão de tortura começou depois. A mãe queria comprar uma manta. Não foi fácil. Por vezes eu o via vindo de longe, caminhando na minha direção e então tinha que desviar.
Fui seis vezes ao banheiro àquela noite. Ao menos podia reclamar:

-Viu mãe, esse negócio de Mc não faz bem para o estomago.

Quando eu não aguentava mais e estava quase me jogando nos braços dele para confessar, "Barba, eu pequei. Estava aqui no shopping com minha mãe comendo um Big Mac", eu vi o homem parado diante de uma vitrine. Uma vitrine da Nike.

Aquela era uma oportunidade. Um homem constrangido não denuncia outro homem. Nós faríamos parte de uma confraria, eu teria o Barba, o mais alternativo da galera, em minhas mãos.

Cheguei devagar, era um lance arriscado, mas a vida é tudo ou nada.

-Barba, te agradou do tênis?
-Rica? Ééé....
-Tu passeando no shopping, nunca imaginei!
-Ééé....
-Já te aviso que esta loja é cara.
-É!!!

Ficamos em silêncio um bom tempo. Pelo que pude ver por detrás da juba ele trocou de cor umas quantas vezes. Ficou vermelho, roxo e depois azul.
Decidi não falar mais nada, seria como chutar cachorro morto. Nós formávamos uma maçonaria. Eu e o Barba, traidores do movimento.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Shopping

Algumas coisas não combinam com hippies. Shopping é uma delas. Se um hippie for pego andando no shopping a única possibilidade que resta é rasgar as calças de moletom, largar a maconha, cortar o cabelo e ir trabalhar no Banco do Brasil. Não tem salvação, hippie e shopping não funcionam.

Na verdade o pessoal está coberto de razão: o shopping é o templo do consumo, a igreja do capitalista e todas estas coisas. Além do que é um saco entrar onde se vende de tudo e não ter um pila para gastar.

Isto me incomodava, pois eu confesso aos amigos: gosto de comprar. Uma jaqueta bacana, uma camisetinha nova, quem sabe uma bermuda e, uma extravagância, até cuecas. Mas não dava, ir ao shopping era correr risco.

Infelizmente uma vez eu não consegui resistir. Eu estava há muito tempo sem comer Mc Donald's (comer Mc era um dos pecados mortais da galera) e a mãe me convidou:

-Ricardo, estamos sem nada para comer hoje, quem sabe jantamos no Mc? Tem umas almôndegas da janta de ontem na geladeira, se tu quiseres requentar.

Golpe baixo, convenhamos. Requentar almôndegas? Ela já tinha percebido que eu evitava o Mc Donald's. Sabia que não estava sendo fácil para mim e queria me testar, mostrar que eu não podia.

Não é sempre que se vence. A resistência às vezes tem de ceder espaço ao poder vigente para retornar com mais força. Naquele dia perdi de vareio. Fui faceiro me lambuzar com um Big Mac.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Amor Livre

Hoje, refletindo sobre esta coisa de falhar como hippie, com o diploma de filosofia pendurado na parede dando mais fundamento à reflexão, eu vejo que várias coisas me levaram ao fracasso: a chatice de ficar sempre enrolando baseadinho de maconha, "- Rica, só mais um fininho!", a questão de usar ou não usar cuecas e os meus dilemas com a faxineira lá de casa. Mas o que me pegou mesmo foi essa coisa do sexo livre.
Aos amigos que não imaginam o que é difícil no sexo livre eu explico: não é só a gente que pode fazer sexo com quem quiser, tem a volta, a namorada também quer fazer sexo com quem quiser e ainda por cima quer contar como foi.

Era o caso da Tamara. Ela não gostava só de falar dos casos dela enquanto jantávamos, tomávamos uma cerveja ou batíamos papo, ela gostava de narrar enquanto transávamos. Tinha um tesão em contar das suas transas malucas enquanto nós estávamos fazendo coisas que para mim eram o melhor em sexo.

Eu, perto da Tamara, era aquilo que chamam um bunda-mole. Um bunda-mole de primeira.

Eu estava ali, dando o meu melhor: puxa daqui, empurra dali, era perna para um lado, braço para o outro, alongamento de yoga, tudo coisa fina. E ela querendo contar como um mané qualquer balançava os dreeds enquanto cantava uma música do Bob Marley. Porra! Cantar Bob Marley enquanto transa, isso lá vai dar tesão em alguém? É foda!

Uma vez ela começou com uns papos:

-Rica, quem sabe a gente trás mais alguém para a nossa cama?

Eu, já calejado, fui mais do que ligeiro:

-Tamara, defina alguém.
-Quem sabe uma das gurias?
- Acho boa, boa ideia, Tami. Não da para ficar preso aos valores burgueses, não é? A possessividade é uma merda.
- Sim, que bom que tu tem a cabeça tão aberta.
- Tami, minha cabeça é como o mar.
-Mar?
-Claro, aberta. Um oceano, tudo flui.
- Rica, por isso que eu sou tão afim de ti. Nós também podíamos chamar o Carlos, das Ciências Sociais.

Pronto, era isso. Sempre tinha a volta. Na teoria o amor livre era lindo, mas na prática sempre tem a merda da volta.

Sofrimentos

A faculdade de filosofia não nos ensina nada sobre o amor. As pessoas sempre acham que lá se aprende dimensões interessantes sobre a vida, a morte, a paixão. Não tem nada a ver. Na faculdade aprendemos Ética, Estética e Moral, ou seja, nada que me preparasse para a Tamara.

Eu me lembro que um primo meu falou que ia casar, mas que o amor não era fácil. Olhou para a minha barbicha de bode e disse:

- O Ricardo sabe, ele estuda filosofia.

Eu fiz aquela cara de quem concorda, mas não sei o que o meu primo acha que eu estudei na faculdade, só sei que viajou.

Voltando a Tamara, eu posso dizer que ela era livre, muito livre, e não sei porque razão adorava me contar das aventuras dela. Contava que transou com mulheres, com mais de um cara, que conhecia o sexo tântrico e coisas que até hoje me doem lembrar.

Eu ficava com um ciúme, com uma raiva, mas não falava nada. Não podia passar por careta.

Uma vez eu quase morri. Nós estávamos passeando na redenção, tomando mate, passeio altamente hippie, na paz, apaixonados e ela me diz:

- Rica, eu estive pensando, acho que nós podemos ficar com outras pessoas, não precisamos desta coisa de compromisso, não é?

Tive uma pequena pane no sistema central, quase deslizei pra trás, depois pra frente, derrubei o chimarrão todo em mim. Respirei fundo e soprei com voz natural, ou quase isso:

- Pois amor (chamava de amor com um mês de namoro, queria casar com ela), eu acho que não, não é, bem light, vamos ficar tranquilos.

- Claro Rica, eu sabia que tu ia entender. Ontem eu vi um cara que entrou no curso de Ciências Sociais, achei interessante, queria ter certeza que tu ficar na boa.

Outra pane, morri de vez e levei a garrafa térmica junto, ela quebrou em vários pedaços.

- Tamara, claro. Ciências Sociais, legal.

Nada podia me preparar para a Tamara, eu continuei com ela um bom tempo e nunca sofri tanto na minha vida. Ela não gostava só de fazer, ela queria se exibir.

Tamara

Depois da Rê veio a Tamara. A principal coisa que eu posso dizer da Tamara é que ela me dava e me dava muito. Na verdade a Tamara me dava tanto que eu nao sabia o que fazer com ela. A gente se conheceu nas Catacumbas, uma festa do pessoal da faculdade.

Como acontecia em todas as festas eu estava parado em um dos cantos. A música era aquela barulheira de sempre, uma gritaria em inglês, um som de guitarra interminável, para quem gosta uma beleza. Eu tinha fumado alguma maconha e já não estava entendendo mais nada que acontecia, até que apareceu uma guria que definifitvamente apreciava a música, porque mexia a cabeça com uma vontade que dobrava o gosto.

Eu fui me aproximando, até porque não tinha outra opção, ela vinha cada vez mais pra cima da parede e eu vivia escorado naquela parece. Quando eu me aproximei para falar com ela, chegar perto do ouvido, ela me deu uma cabeçada na boca.

Rapaz, aquilo foi uma sangueira que não tinha mais fim. Ela virou para brigar comigo, mas quando viu o tanto de sangue que saia da minha boca ficou assustada e eu fiquei apavorado quando vi o susto dela.

De pronto fomos para a rua e mais de pronto ela me agarrou. Eu fiquei numa situação difícil, não queria perder a mulher, mas beijar com o lábio aberto não era convidativo. Mas a Tamara não se fazia de rogada e me convidou para ir no quarto dela. Chegando lá já começou a se empenhar no assunto importante.

Obviamente eu esqueci o meu problema na boca. A Tamara sempre teve o dom de me apagar todos os problemas. Eu fui muito apaixonado por ela, e ser apaixonado não podia render felicidade.

Namoradas

A faculdade de filosofia tem quatro anos de duração, mas como filosofia é uma coisa difícil o pessoal costuma ficar de 6 a 8 anos, alguns exagerados chegam a 10. Eu, que sou um cara que faço as coisas na maciota, levei 7 anos.

A verdade é que a filosofia leva tempo até entrar na gente e a galera costuma levar mais tempo ainda até querer entrar na vida burguesa do trabalho pesado.

Nesses sete anos eu tive algumas namoradas e muitas foram experiências antropológicas. Primeiro foi a Rê, apelido de Regência não de Regina. A Rê era a careta: a família dela era de Coronel Bicaco, o pai dela era prefeito da cidade. Ela levava a filosofia a sério, já tinha lido uma porção de livros antes de entrar na faculdade. Gostava dos filósofos padres, o São Tomé, o Santo Agostinho, uma porção de gente que eu nunca ia ler na vida, nem atado.

Mas a principal característica da Rê é que ela não me dava. Não tinha jeito, não tinha Cristo que fizesse ela me dar e olha que aquela mulher gostava de Cristo, pena que de dar não gostava.

O namoro não durou muito, 3 meses, acabou num papo cabeça, como eram quase todos os nossos papos. Eu tentando comê-la e ela tetando me ensinar a filosofia do Santo.

- Pô Rê, isso não é pecado, era pecado na época do Tomas, hoje já foi liberado

- Que Tomas, Ricardo?.

- O Santo que tu gosta.

- São Tomas Ricardo, São Tomas!!

- Pois é Rê, hoje a coisa já mudou. É tudo parte da tal natureza, o yin-yang, paz e amor, essa coisa que a galera diz. Os valores mudaram, a moral crista é uma mentira, é como diz o Nietzcshe: Deus está morto e vamos que vamos, algo assim.

- Não é assim, Ricardo. Já te expliquei. O Nietzsche pode ser contra-argumentado segunda a posição agostiniana vista nas Confissões e mais especialmente quando revisto pelo prisma do idealismo alemão. A ideia kantiana de....

- Pô Rê, da pra mim!

- Ricardo, isso acaba aqui.

Não cheguei a ficar muito triste, senti falta daquele arreto com roupa que parecia aquelas coisas de primo, que a gente sabe que não vai dar em nada mas faz para ir ganhando prática.