sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Chegando

Para ir até Santa Catarina, nós, os 15 da turma, tínhamos dois carros. O pessoal pensou em uma engenharia para colocar 7 em cada um. Ficaram tristes porque ficava faltando um lugar. Eu logo me prontifiquei para ir de ônibus.

A galera chegou antes, eu fui depois e me pegaram na Rodoviária.

- Rica, tu vai curtir o lugar. É tudo liberado.
- Mulherada?
- Não tem repressão, cara. A gente fuma tranquilo o dia todo.
- Legal, e a mulherada?
- Ontem tocou uma banda só de mulheres, coisa boa.
- Ah. (Nada bom)
- E também rolou aquela roda do fogo. Umas gurias que se pelaram e correram com fogo.
- Caralho, mulherada!

O lugar era tudo que eu tinha imaginado. Muita lama, muitas barracas e muita gente cheia de cabelo. Naquela altura eu também já tinha um cabelo de fundamento e até uma barbicha. Era quase um hippie, quase.

- Rica, cadê tua barraca?
(Eu tinha ido para um acampamento e eu não tinha levado barraca)
- Pois tchê... tchê, pois é, não trouxe.
- Como não trouxe?

É agora, conto a verdade: eu nunca acampei. Não, melhor apelar para uma explicação mais genérica:

- Cara...... Achei que ia ser tranquilo, natural.
- Legal, mas olha, nós aqui estamos meio apertados, tem lugar com o Barba ou com o Gabi.

O Barba era um legítimo hippie. O apelido não deixava nada a desejar pela aparência. Cabelo e barba formavam um só volume, era ele quem sempre conseguia o baseado pra galera e o fumo de corda enrolado em palha de milho vinham deste cara.

O Gabi eu não conhecia bem. Era colega de faculdade, parecia altamente civilizado, desses de tomar banho todo dia, cabelo cortado, não em casa, mas com gente que corta cabelo. O cara não tinha a essência hippie, não tinha a liberdade, a pureza, os trejeitos. Eu ia ficar na barraca dele, claro.

- Onde é a barraca do Gabi?

O Convite

Não há quem tenha sido hippie, ou tentado ser um, que não tenha sonhado com uma orgia. Na verdade ser hippie é uma tentativa de realizar este sonho, ao menos o meu era.
Sempre imaginei eu no meio de um mar de mulheres, todas numa boa, afim de transar comigo e entre elas.

Nas festas da faculdade nunca rolava isso e com o tempo eu fui perdendo minhas esperanças. Sempre que tinha uma festa eu enturmava no máximo em uma gata. Como a gurizada era muito encarnada no tal do baseado (e eu não me dei muito bem com ele) sempre dava os primeiros passos. Nunca cheguei perto da orgia, comi gente aqui, outra ali, mas nada fora do comum.

O meu sonho era o tal do Woodstock. Dizem que foi uma beleza. Era um monte de gente, um monte de droga e uma música daquelas que a guitarra fica horas fazendo barulho. Eu só imagino, devia ser uma beleza mesmo.
Ouvi falar que o melhor era a sensação de liberdade, sem repressão: "estamos livres do sistema"; sempre achei que significava uma trepação bárbara.

Um dia me convidaram para fazer uma viagem. Tinha um festival em Santa Catarina.
- Vamos Rica, vai todo mundo, tem uns 15 da turma que vão.
- Mas tu disse que só tem três barracas?
- Cara, a gente dá um jeito, no amor.
- Sei não, sei não.
- O som é de uma galera massa. Tudo cover de primeira, Janes Joplin, Doors, Pink.
(Eu nunca gostei dos originais)
- Tchê, sei não, sei não.
- Também diz que a mulherda corre solta.
- Tipo Woodsotck?
- Exato. Grande Rica, tipo Woodstock.
- Bora lá, então.

Tínhamos orgia à vista.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ida ao Campus

Para ir até o Campus do Vale era um barbada, pegava o ônibus ali do lado da casa da mãe. Demorava bastante até chegar, então tinha que sair logo depois do almoço, nada fácil! O pior era dia de chuva, a alpargata molhada é de doer.
Sempre tinha um magro conhecido na parada e geralmente rolava um papo bom.
- Eai Rica, firme?
- Que nem anta gorda.
- Boa essa.
- Velha escola.
- Certo, velha escola.
Na hora que a gente pegava ônibus sempre ia junto o pessoal da PUC, os burgueses, bundinhas, filhinhos de papai da PUC. As mulheres da PUC eram muito mais gostosas que as nossas.
- Cara, olha aquela loira, que monumento, da PUC, claro.
- Sei não Rica, não gosto do estilo.
- Sei, tu gosta daquele outro estilo, o estilo feia.- Era óbvio que o cara tava brincando.
- Não, sério meu, eu gosto de mais natural, esta é muito montada.
- Verdade, não tinha reparado. Dava até pra desmontar e remontar lá em casa, ia ficar uma beleza no meu quarto.
- Pô Rica, te liga.
- Tu ta certo meu, olha que coisa ridícula. (A mulher ia subindo no ônibus e eu não tirava o olho dela, era boa demais). A bunda dela está montada muito pra cima, ridículo.
- Cara, que bus que não chega, hein? Tu reparou que já passou dois da PUC. Vou acender um cigarro.
- Aha, aí vem o ônibus meu.
- Bah, não acredito, só porque acendi o cigarro.
- Claro, aposto que não fazem isso com a galera da PUC.
- Cara, vai me desculpar mas hoje não vou desperdiçar. Deixa apagar ele aqui, vou devolver pra carteira.
E lá fomos pro Campus, atrasado e com um cheiro a cigarro apagado insuportável. Eu era um hippie, não havia dúvida, só não sabia se estava gostando.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Dia de Faxina


Eu sempre odiei dia de faxina em casa. A faxineira era testemunha da minha vagabundagem. Ela via que eu passava os dias sem fazer nada. Não falava, mas eu sei o que pensava: na minha folga e no duro em que ela tinha que dar.
Me perseguia pela casa, sutilmente jogava na minha cara a vida fácil que eu levava.

- Ricardo, se tu não te importar eu gostaria de limpar aqui. Tu poderias ficar ali na outra sala? Também tem ar.

Por despautério me avisava do ar. Anunciava que eu só poderia viver com o conforto da casa da mãe. Ela era uma forte, estava trabalhando no pesado e desligava o ar assim que entrava em qualquer peça.

Ser hippie não era fácil.

De vez em quando eu colocava uma calça jeans e saia para dar uma volta. Não podia aguentar a pressão. Nada para fazer na rua, mas não suportava aqueles olhares de reprovação.

- Vai sair, Ricardo?
- Sim, fazer algumas coisas na rua.

Eu ficava dando volta. Ia até um parque, passava numa lancheria, bebia um suco. Esticava cada momento, apreciava cada gole. Um garçom mais simpático era uma possibilidade de papo. Perguntava sobre os pratos do cardápio: "como é feito este Xis?", as vezes até futebol (eu não sei nada de futebol).

Quando encontrava um amigo na rua tinha que dar explicações.

- Calça jeans, Rica? Tá trabalhando, cara?
-Não, capaz. Só variando o figurino.

Na volta pra casa eu torcia: "Ela já foi, ela já foi"
Se ainda estivesse em casa, eu ouviria o triunfal:

- Já voltou, Ricardo?

Já voltou? Fiz toda a cera que eu podia.

Como diziam meus amigos de faculdade, ser hipppie é contrariar o sistema, ser a resistência da maquina que gira sem parar. Lá em casa o Big Brother era a Clélia.