sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Primeira Gata

- Ah Rica, pára de viajar.

- Não é viagem gata, como é mesmo teu nome?

- Claudinha.

- Pois então Claudinha, não é viagem, repara nos galhas. Todo galho... todo som... todo galho tem um tipo de som. (Definitivamente não era isso que o baixinho tinha dito, cadê aquela baixinho de merda?).

- Rica, que lindo isto que tu disse.

-Aaah?

- Que lindo, é verdade. Todo galho tem um tipo de som. Só tu pode ouvir ela.
(É, isso eu já tinha reparado. Eu e o baixinho maluco)

- Vamos sair daqui Rica, fumar mais um no meu apê.

Depois de seis meses de facul, eu comi alguém, mas não tinha sido por mérito meu.




Ouvindo Vozes

- Rica, maconha tu fuma?

- Mas claro rapaz, passa essa maconha pra cá. (Eu tinha que ganhar terreno)

- Calma cara, ainda não acendemos, esse é o palheiro.

- Ah tá.

Ninguém conseguia acender o tal baseado, por causa do vento, nem o cara dos dreeds conseguiu.

- Passa pra cá que eu acendo?

- Te garante Rica?

- Tchê, dá este este fuminho, digo, basenado pra cá.

Lembrei de uma técnica de um tio de Lavras em dia de vento, ele acendia o palheiro dentro da blusa: metia cara e cigarro pela gola e isqueiro por baixo. Eu ia acender aquele baseado nem que eu queimasse o casaco alemão do pai.

Fiz a técnica, deu certo.

- Grande Rica hein, velha escola.

A primeira fumada foi legal. Aquele troço de ser hippie era divertido, aliás nunca dei tanta risada como naquele noite. Tinha um baixinho do meu lado que falava sozinho. Eu fui tirar um sarro dele:

- Escuta meu, com quem tá falando?

- Esta árvore, amigo. Olha a respiração dela, o barulho dos galhos, todo som é uma forma de expressão.

O cara tava mal.

- Rica, escuta, acende outro pra nós.

- Caralho, outro? Será? Quem sabe voltamos pra festa, escuta o louco aquele, fera, ooooh...

- Olha o Rica, bem locão, esquecendo as coisas.

- Passa o fuminho pra cá, rapaz.

Quando tirei a cabeça de dentro do casaco alemão do velho aconteceram duas coisas meio estranhas: a gata veio pro meu lado e a árvore do baixinho falou comigo.

-Tchê, escuta, essa árvore aqui está falando comigo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Catacumbas

Uma vez teve festa lá da UFRGS, Catacumbas era o nome do lugar, sei lá, parecia bom.

Era um frio de se cagar e eu tive que dar uma inventada na roupa. Calça de moleton, alpargata com meia de lã, e uma japona antiga do velho pai, que ele comprou na Alemanha na época de hippie dele.

A festa era boa, a música que era um saco.

- Rica, baita som hein?

- Cara, nunca ouvi!

- Quê? Tu nunca ouviu The Doors, Rica?

(Momento de tensão, nunca tinha ouvido aquela merda, mas pelo jeito não ter ouvido The Doors era pior que usar cueca)

- Ah, não tinha me dado conta que era ele.

Quando saímos pra fumar um cigarro todo mundo já sabia que eu não tinha reconhecido o tal do Doors, e ficaram torrando minha paciência, porque esta galera gosta de uma patrulha.

Todo mundo fumava cigarro de palha enrolado em palheiro, cada um tinha um jeito de enrolar o palheiro, cada um tinha um tipo de fumo; eu nunca tinha fumado cigarro.

No meio desta fumaceira toda tinha uma gata, UMA gata. Minhas chances eram grandes, à parte a coisa da música eu estava bem, sempre fui bom de piada, enchi a galera de piada. E a alpargata com meia de lã dava um toque diferente. A gata era possível.

Até que chegou um cara de dreeds bem cumpridos. Puta, dreeds é foda, cumpridos é pra matar. Porque tá na cara que o cara é hippie desde os 15 anos, senão de onde ele ia tirar tanto cabelo em 6 meses de facul, do pai dele é que não era.

Ele tinha dreeds, eu tinha um bigode, ao menos eu chamava de bigode. Minhas piadas estavam para acabar e o cara mandou trazer a viola para ele tocar sei lá o que. A gata já era.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sem cuecas

Não usar cueca até que é bom. No Campus do Vale é fácil, já que tem muito pouca mulher gostosa. Lá só estuda galera da História, Filosofia, Ciências Sociais, Química... enfim, cursos que a beleza não é fundamental.
O complicado era que nas quintas-feiras as gurias que estudavam nutrição tinham aula na sala ao lado da nossa. Pessoalmente era um problema. Sempre aquela tensão, qualquer descuido e, barraca armada. Aí não dava para o cara levantar da cadeira, tinha que esperar até o processo seguir seu curso normal, uma função.

Mas quem nunca gostou desta história de eu andar sem cueca foi a Clélia. Era ela quem lavava minhas roupas lá na casa da mãe. Sem usar cueca eu e a Clélia descobrimos a utilidade dela: (não tem nada a ver com repressão do sistema, com falta de liberdade e essas coisas) o problema é o cheiro ruim que tem o pequeno hippie, no meu caso não tão pequeno.
Nós nunca falávamos sobre isso, mas ela estava sempre me testando:

- Ricardo, será que precisa lavar de novo esta tua calça?

A Clélia lavava roupa três vezes por semana, então dava para usar calça limpa de vez em quando. Porque não pensem vocês que uma solução é ter várias calças, hippie não pode ter várias calças, no maxímo três. Consumismo não!

Cuecas


Bem no começo da faculdade, quando eu ainda dava os primeiros passos para tentar ser hippie, eu estava em uma conversa com dois caras que eu considerava graduados em hippongagem. Eles comentavam que não entendiam como tinha gente que ainda se submetia a usar cuecas.
Tinha alguma coisa a ver com tirar a liberdade do cara, se sentir reprimido, uma repressão disfarçada do sistema, essas coisas importantes que eu sempre achei uma série de bobagens.
Eu não comentei nada, porque eu estava de cueca e aquelas cuecas tipo sunga, que aperta tudo, de fato.
- Rica, tu usa cueca?- me largou um.
(Tinha que pensar rápido, mentir descarado ia ficar na cara, eu ainda tinha uma cara de guri de apê, mas falar a verdade: -Sim, eu uso cueca, aquela tipo sunga. - também não dava)
- Tchê, as vezes uso.... sambacanção - e fiz um gesto meio vaga com as mãos, dando a entender que ficava tudo bem solto ou que talvez eu tivesse um pau deste tamanho, ou as duas coisas juntas.
- Sambacanção é bom, é da velha escola, grande Rica.
Tinha me saído bem. A partir dali nunca mais usei cueca, mas na dúvida comprei umas três sambacanção.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Me apresento

Eu entrei na Faculdade de Filosofia porque sempre gostei de pensar sobre as coisas. Eu pensava porque não posso atravessar as paredes se aprendi na aula de física que teoricamente poderia, porque fico mal de fazer sacanagem se Deus não existe, e porque todo mundo tem que acordar às 7:30 da manhã se era só combinar de começar a trabalhar às 10, todo mundo junto. (Eu sempre digo que meus melhores pensamentos comunistas aconteciam ao acordar para o cursinho).
No campus do vale eu conheci uma galera como eu: que não gostava de Charlie Brown Junior e gostava dos caras mais antigo. Era bacana gostar de Cartola, Chico e ser bem magrão, eu tava no paraíso e era cool.
Além do mais todo mundo compartilhava da minha teoria de acordar às 10, tanto que nossa aula era de tarde, começava às 14 horas e a galera chegava atrasada, porque logo depois do almoço é foda sair correndo. (E o pior é que é).
E então eu fui aprendendo as manhas pra ser hippie: não usar tênis, só chinelo ou alpargata (alpargata, claro), não usar cuecas, barba comprida (eu não tinha muita barba no começo da faculdade), calça larga de moletom e camisetas velhas.
No começo foi uma função, tive que fuçar no guarda roupas do meu velho pai, porque eu não tinha nada disso. Ele até me ajudou, ele sempre diz que já foi hippie. Não podia comprar nada, se não a galera ia ver que eu tava querendo ser hippie, e eu tinha que mostrar que eu já era, que era tranquilo, natural.
Acho que a princípio enganei bem, porque os caras me aceitaram e até me apelidaram de Rica. Eu achava estranho, Rica parece de mulher, mas o pessoal natureba hippie é assim, não tem muito esta coisa de definir masculino e feminino, é tudo meio junto, bem natural.
Este foi só o começo, depois foi piorando.

O blog

Decidi criar este blog para compartilhar com os amigos um fato inusitado: eu falhei como hippie.
Descobri isto há bem pouco tempo, semana passada na verdade.
O caso foi o seguinte: tenho um querido amigo que adora esta coisa do Haiti. O cara vê tudo, todo o tempo, lê tudo, sabe da situação política do lugar, é uma beleza.
Eu não sei nada. Sempre digo a ele que odeio esta história, odeio ler e ver um monte de gente passando mal, tudo com fome e sem casa. Sei que deveria gostar e me compadecer, mas sei lá, não rola.
Mas bem, estes dias eu li que tinha um monte de gente saindo da capial do Haiti, Porto Príncipe (ao que parece), e migrando para o interior. Eu achei o máximo! Sempre sonhei com isto, desde guri: o mundo um caos e eu iria para o interior, lá pro sítio em Viamão, ia plantar, colher e até carnear um ovelha. (O mundo um caos e eu lá, total homem da natureza, uma beleza).
Pois aí eu li toda aquela reportagem, não era muito, duas páginas da Zero Hora. Não era tão legal, mas valeu.
Liguei pro meu amigo, queria compartilhar, mostrar que eu também me interessava, que eu sou solidário! Ele me chamou de narcisista, egoísta, até de alienado (nunca entendi este xingamento). Disse que só olho as coisas porque me identifico, não sei me colocar no lugar do outro, não vejo além do meu umbigo, e que esta coisa de ir para o interior era uma frustração minha, que eu era um hippie fracassado e que agora ficava achando poesia onde só tinha a dura realidade.
Eu achei uma merda e mandei ele pra lá, mas é verdade: eu fracassei como hippie. Tentei e deu errado.
Então criei o blog, um pouco para mostrar que não é fácil ser hippie e um pouco para mostrar o quanto é um saco ser hippie.
Isso aí amigos, vamos ver no que dá.
abraço à todos, Rica