quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Dia de Faxina


Eu sempre odiei dia de faxina em casa. A faxineira era testemunha da minha vagabundagem. Ela via que eu passava os dias sem fazer nada. Não falava, mas eu sei o que pensava: na minha folga e no duro em que ela tinha que dar.
Me perseguia pela casa, sutilmente jogava na minha cara a vida fácil que eu levava.

- Ricardo, se tu não te importar eu gostaria de limpar aqui. Tu poderias ficar ali na outra sala? Também tem ar.

Por despautério me avisava do ar. Anunciava que eu só poderia viver com o conforto da casa da mãe. Ela era uma forte, estava trabalhando no pesado e desligava o ar assim que entrava em qualquer peça.

Ser hippie não era fácil.

De vez em quando eu colocava uma calça jeans e saia para dar uma volta. Não podia aguentar a pressão. Nada para fazer na rua, mas não suportava aqueles olhares de reprovação.

- Vai sair, Ricardo?
- Sim, fazer algumas coisas na rua.

Eu ficava dando volta. Ia até um parque, passava numa lancheria, bebia um suco. Esticava cada momento, apreciava cada gole. Um garçom mais simpático era uma possibilidade de papo. Perguntava sobre os pratos do cardápio: "como é feito este Xis?", as vezes até futebol (eu não sei nada de futebol).

Quando encontrava um amigo na rua tinha que dar explicações.

- Calça jeans, Rica? Tá trabalhando, cara?
-Não, capaz. Só variando o figurino.

Na volta pra casa eu torcia: "Ela já foi, ela já foi"
Se ainda estivesse em casa, eu ouviria o triunfal:

- Já voltou, Ricardo?

Já voltou? Fiz toda a cera que eu podia.

Como diziam meus amigos de faculdade, ser hipppie é contrariar o sistema, ser a resistência da maquina que gira sem parar. Lá em casa o Big Brother era a Clélia.

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