terça-feira, 16 de março de 2010

Bissexualidade

Quando eu falo desta coisa de ser hippie espero que os amigos entendam que não tentei ser hippie nos anos 70 ou 80. É coisa de agora, hippie ano 2000. Coisa moderna que chegou tarde, já tinha começado errado.

Como todo grupo os hippies da faculdade tinham várias regras, nenhuma expressa, mas todas punidas com o ridículo. O engraçado é que maioria já sabia qual eram as regras para não dar gafe, eu aprendi ao longo do tempo e geralmente só percebia a regra quando já tinha furado com ela.

Para tentar não errar tanto eu sempre conversava com o pessoal mais próximo, pedia umas dicas, na honestidade. Com os menos conhecidos eu tinha que dar uma volta para não ser desmascarado, com os íntimos eu era direto.

Foi o caso daquela história de ser bissexual, bem liberal, que eu não sabia muito bem como funcionava. Pra descobrir não tinha como dar muito contorno, o tema é delicado, envolve questões sérias e até arriscadas (se o companheiro me entende), precisava falar com um especialista. Aí que fui ter aquele papo com o Gabi.

O cara era um perito. Ele comia muita gente, inclusive caras que eu nunca imaginava que iriam dar para alguém. Ele achava que todos os caras da faculdade queriam dar para ele, eu também achava que todas as mulheres queriam dar pra mim, a diferença é que o Gabi era efetivo.

- Gabi, pois então, como é essa história?

- Que história, Rica?

- Essa aí, tu sabe, essa confusão de homem com homem, mulher com mulher.

- Que confusão que tem? Homem come homem, mulher come mulher.

- Não entendi.

- Que parte?

- Eu não sei, acho que sou meio travado. Devo ter uma repressão da infância, trauma, recalque, talvez devesse fazer uma terapia.

-Por quê?

- Eu não quero comer nenhum dos nossos amigos.

- Nenhum?

- Pois tchê, nenhum!

O Gabi ficou pensativo. Aquilo parecia ser uma novidade pra ele.

- Mas Rica, tu sabes que transar com homem é muito melhor que transar com mulher, não?

-Não sabia.

- Claro. Homem não tem frescura. É direto ao assunto. Chegou, tirou a roupa e transou. É um piscar de olhos e já está todo mundo pronto. Não tem que fazer preliminar, ligar depois, é uma coisa mais independente.

- Assim rápido?

-Tu nem imagina.

- Então rapaz, isso que te digo. Essa facilidade toda e eu aqui sem tesão nenhum. Por exemplo, estou te olhando e não me da tesão nenhum.

- Não precisa ofender, Ricardo. Escuta, tu reparou na bunda daquele cara que passou aqui?

- Que cara, não vi cara nenhum.

- Rica, tu quer é romper barreira social. Tesão não dá escolha. Vai comer umas vacas lá em Viamão.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O objetivo

Eu sai correndo de sunga em direção à praia. Minha missão não era nada fácil, estava escuro e eu não tinha levado lanterna. Agucei o ouvido, talvez escutasse ao longe gemidos, risadas, um êxtase, os sons da orgia, ao menos o mar. Nada.
Peguei a trilha de areia, aquela inconfundível que sempre leva à praia. Eu alternava corridas, caminhadas e pequenos saltos de emoção, imaginava a chegada no local. Ia ser algo como um bufê livre. Poderia escolher a mulher que eu quisesse e logo em seguida outra. E elas também estariam ali escolhendo. Quem sabe não me escolhiam duas juntas, ou três? Quem sabe o pessoal está motivado?
Cheguei a praia, não havia ninguém. Não ia me desiludir: "Calma, tenho que manter a calma. O pessoal pode estar em qualquer lugar, a praia é grande e eu já estou de sunga. Vou dar uma caminhada."

Me orgulho de contar aos amigos que encontrei a orgia. Estavam entre as dunas. Era um número razoável de pessoas, talvez umas 13. Não posso dizer ao certo quantos homens e quantas mulheres, porque em geral eram pessoas com muito cabelo. Mas parecia bem dividido.
Eu fui me achegando devagar. Sempre esperei por isso, eu sei, mas eu estava meio tímido. Afinal, era um monte de gente pelada.
Não sabia se tirava a sunga logo de cara, se chegava perto de um casal transando... Nunca tinha pensando nos detalhes práticos desta coisa.
Tirei a sunga, na dúvida não enrolei no braço, segurei na mão. Cheguei perto de uma mulher e ela foi receptiva, bem receptiva. Já foi me segurando, me puxando. Eu comecei a transar com ela. O mundo era bom!
Foi então que aconteceu uma coisa estranha, uma outra mulher veio, com um cara junto. Eles começaram a transar do nosso lado, com a gente. Para todo lado que eu olhava tinha alguém transando. As pessoas chegavam sem pedir.
Me senti desconfortável. Não era uma coisa bonita de se olhar, era estranho. Eu fui me sentindo cada vez pior, até que decidi ir embora. Ninguém notou. Por sorte a sunga ainda estava na mão.

Quando voltei pra barraca o Gabi já estava lá, dando risada.

- Foi procurar a galera, Rica?
- É.
- Eai, foi boa a coisa?
- Mais ou menos. E tu, comeu alguém?
- Não, só dei uns beijos no Walter.
- No Walter, como assim, no Walter?
- Tchê, como assim o que? Beijei o Walter. Não transei com o cara, é muito guri.
- Ah tá. Foi bom?
- Mais ou menos, também.
- Pena. Sem sorte esta noite. Boa noite, Gabi.
- Boa noite.

O Gabi era gay, foi minha brilhante conclusão. Eu ia dormir com um gay na barraca e o maior sonho da minha vida tinha sido frustrado, provavelmente eu não dormiria direito.

O Gabi acabou virando um dos maiores amigos que tive na faculdade.

O festival

Eu tenho um problema específico com música, eu não gosto muito dela. Eu sei que não é politicamente correto, eu pareço insensível, mas é assim.
Naquele acampamento eu arranhava o disco rígido: " Que diabos estou fazendo num festival de música?".
Para piorar, odeio música com sons intermináveis de guitarra. O cara segura aquela guitarra e toca uma nota, aí aquela nota fica, fica e fica. Enquanto a tal nota está lá, dançando, o guitarrista se enrosca todo, igual uma minhoca, coloca a cabeleira pra baixo e pra trás. É uma beleza.
O pessoal adorava. Parecia que cada nota entrava no corpo da turma, ou eles sentiam a música ou eram muito bons em imitação de minhocas.
A sensação que mais me ocorria naquela pista (que naquela altura era um barro só, e eu de alpargatas), era a mesma que sinto quando vou ao cinema e alguém chora e eu não: "Tem alguma coisa que eu não entendi".

Em dois dias eu não tinha comido ninguém naquele festival, no máximo uns beijos muito loucos me esforçando para agarrar a mulher e fazer minha melhor imitação de minhoca.
Orgia eu não tinha nem ouvido falar e as gurias que corriam peladas já eram um mito que só eu não tinha visto.

Até que chegou a noite do terceiro dia. Eu já tinha ido dormir, sempre dormia cedo, e o Gabi entrou na barraca para pegar umas coisas. (Aquela altura eu já tinha visto que a melhor coisa que fiz foi escolher dormir com o Gabi, o cara organizava a barraca).

- Rica, desculpa cara, deixa eu pegar umas coisa aqui
(O cara pedia desculpa, entendia que eu dormia cedo, um privilégio)
- Claro Gabi, eu ajudo, o que tu quer?
- Uma camisinha.
(Porra, o Gabi vai comer alguém, não acredito! Nunca vi o cara dar em cima de ninguém, ficava sempre mais de canto, conversando com um ou outro)
- Vai comer alguém, Gabi?
- É, vamos ver.
- Espera um pouco, eu te alcanço uma, tenho umas quantas aqui, pelo jeito não vou usar.
- Valeu. Tu não vai usar só se não quiser. Acabou o show agora, tem uma galera muito louca que correu para o mar pelada.

Era óbvio que eu não tinha muito tempo a perder, a barraca ficava longe do mar. Tentei achar uma bermuda o mais rápido possível. Pensei melhor, não tinha porque achar bermuda, estava todo mundo pelado mesmo, eu ia entrar no clima. Mas vamos que eu não encontro a tal gente pelada, aí fico eu sem roupa correndo por aí.
Achei uma bermuda, só que era das boas. Provavelmente numa orgia o cara perde a bermuda, eu não vou ficar segurando ela, atrapalharia minhas manobras. Muito menos guardar num canto da praia.
Achei uma sunga, perfeito, na hora H até amarro em volta do braço.
Fui!