terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cafuné

Quando eu visitava a família em Lavras me distanciava um pouco da hippongagem da faculdade. Era bom, porque aí podia ficara mais livre: usar calça jeans e camisetas novas - às vezes até uma camisa pólo.

Mesmo de barbão e cabelo comprido os primos sempre me convidavam para sair à noite. Era estranho, porque no interior o pessoal não está acostumado a ver homem com cabelo mais comprido que mulher; ainda mais com dreads. Mas aquilo atraia a atenção, e os primos gostavam de me apresentar como o cara da cidade.

Esse circo só rendia frutos para eles: enquanto eles falavam de mim com as gurias, eu ficava como um bicho raro de zoológico numa mesa no canto da festa. Via eles de longe, jogando papo e me apontando. Às vezes me abanavam bem faceiros - eu erguia o copo e mandava um alô. Um que outro acabava vindo até mim, trazendo a vítima da vez:

- Esse é o Ricardo, meu primo. Ele é da cidade. Ricardo, ela quer tocar no teu cabelo, não acredita que é de verdade.

- Posso? Tu não te importas?

A verdade é que eu não me importava: na seca que eu vivia em Lavras, um carinhosinho de mulher vinha bem. Claro, sentia algum receio pelos piolhos. Sabem como é dread: batia aquela tensão, imaginando que um dos bichanos ia saltar na mão da guria, e ela ia sair correndo gritando. Aí sim, estaria acabada qualquer possibilidade de comer alguém na cidade.

Meus primos davam o maior incentivo:

- O Ricardo não se importa. Ele é tranquilo. Até apelidaram ele de Rica lá onde ele estuda. Não é? - Não sei por que eles consideravam Rica uma desfeita. - Pode meter a mão! Vira aqui, primo. Vamos mexe, mexe, não precisa ter medo.

Elas adoravam: primeiro pegavam um dread - tímidas; depois iniciavam uma inspeção minuciosa: tascavam a mão em dois dreads e balançavam de um lado para o outro; apalpavam toda minha cabeça; tentavam segurar todo o cabelo com as duas mãos; por fim, davam uns tapinhas no meu cocuruto, perguntando: "Tu sentes aqui em cima? Sente? Bem aqui, oh. Sente?".

Era chato, mas valia o cafuné. Além do que, os primos ficavam muito gratos e pagavam toda a minha cerveja.

Eu só ficava indignado - e corria todo mundo da mesa - quando elas decidiam tecer comentários do tipo: "Mas como é estranho isso aqui!"; "Isso fica todo ressecado! Que horror!"; ou "Aí, que cheiro engraçado que tem isso!!". Aí eu não aguentava: humilhação tem limite; até pra um hippie.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Alpargatas e meias de lã


Tem uma coisa que a gente aprende rápido quando decide ser hippie: tem que se vestir mal. Nada de sair com qualquer roupa na rua. Dá muito trabalho andar por aí mal vestido.

Mas não tardei para aprender a arte. Tudo era uma questão de pegar as roupas mais coloridas do armário e colocar todas juntas, uma por cima da outra. Minhas peças preferidas eram uma calça de moletom azul; uma camiseta com um desenho abstrato em verde, vermelho, amarelo e laranja sobre um fundo marrom; um casaco do exército alemão e alpargatas. Tudo isso formava uma combinação ímpar, que me conferia muito respeito entre os colegas.
Algumas vezes tentei arriscar peças mais discretas; usei tons de cinza - não deu ibope.

O importante era passar a imagem de desinteresse; tinha que aparentar que a roupa escolhida era a primeira que pulara do armário na minha mão. Quem se apresentasse com ares de que escolheu o traje, que combinou calça com camiseta, era tido como pessoa menor: um ser que precisava cuidar da aparência porque não tinha conteúdo.

No início a mãe andava preocupada. Era eu despontar na sala que ela vinha de arrasto. Queria saber se eu tinha visto o furo atrás da minha camiseta; se eu sabia que camiseta marrom não combinava com a calça azul turquesa; e, principalmente, se eu tinha consciência que nada combinaria com uma calça azul turquesa.
                             
Demorou, mas com o passar dos anos foi acostumando. Quando eu aparecia, ela levantava os olhos, erguia uma sobrancelha e voltava pros seus afazeres. Manteve o autocontrole por anos. Até que um dia não pôde mais. Eu estava de saída, ela sentada lendo jornal. Vi que olhou sobre as folhas; conferiu a calça e a camiseta. Pareceu consentir. Quando cheguei à porta ela olhou por baixo do jornal.

- Meu filho, só um minutinho. Isso são alpargatas?

- Sempre.

- E me diz uma coisa, isso são meias de lã?

Levantei os pés e olhei as meias. Fingindo inocência respondi:

- Pior que são.

- Tu estás de alpargatas e meias de lã?

- Isso.

Ela fraquejou: inspirou fundo e soltou o ar num longo suspiro:

- Aaaaiii meu filho. 


Percebi a oportunidade de defender meu ponto de vista. Discorri sobre a incongruência do ser e do aparecer. Questionei se ela não via que a roupa não significava nada. O que estava por cima tanto fazia, o importante era o que vinha de dentro. Era aí que deveria acontecer a verdadeira escolha. Terminei o discurso dizendo que sempre pegaria a primeira roupa que visse dentro do armário, porém escolheria com amor minha decisões éticas.   
Ela pareceu intrigada; levantou as duas sobrancelhas e deu um sorriso. Supus que estava espantada com minha genialidade. 


Na saída escutei:


- Muito bem, até a volta. Boa aula.


Quando voltei da faculdade entendi tudo. Todas as minhas roupas antigas estavam na lavanderia, no meu guarda-roupas só tinham camisas pólo e calças jeans. Pensei em reclamar, mas sabia que seria minha completa desmoralização. 

A velha não se entregava fácil; mas eu também não ia afrouxar. 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Astrologia

Na faculdade aprendi que para ser entendido num assunto o fundamental é decorar algumas palavras e falar com convicção. Sempre usei essa estratégia - das discussões metafísicas aos debates políticos.

Quando o tema era o destino do Brasil, eu criticava o sistema e a burguesia: citava alguma frase do Marx e xingava a ganância e a tecnologia. Aprimorei a técnica quando aprendi que com alguns bons prefixos (como "neo" e "pseudo") ganhava alguma relevância nos debates.

Formei verdadeiras pérolas:

- A questão é a neo burguesia brasileira, impregnada deste pseudo sistema capitalista. Claro, tudo fruto das novas tecnologias, que aumentam a ganância sem nutrir o que é fundamental para o ser. - Às vezes juntava espiritualidade com política; aí não tinha pra ninguém.

Quando o pessoal enveredava para as querelas metafísicas, era apropriado utilizar palavras como ser, essência e transcendência. Por um tempo tentei usar ontologia, mas nunca entendi bem o significado, e percebi que sempre que arriscava o pessoal olhava com cara de desconfiado. Achei prudente ficar no meu metiê.

- Temos que admitir que a essência do ser é transcendente. O ente tem o seu devir verdadeiro, não essa pseudo realidade. - Aqui também podia atochar uns prefixos, mas era mais delicado.

Foi esta técnica que me deu confiança quando conheci a Mirna. Ela era astróloga. Vivia falando dos signos e dos planetas. Eu não entendia nada, mas era uma beleza vê-la apontando para o céu enquanto palestrava.


Para não parecer burro eu arriscava opiniões. O problema é que a única coisa que sabia sobre signos é que todos têm nomes de bichos. Tentava atacar com o papo metafísico, mesclando com algumas palavras básicas do horóscopo do jornal.

- Acho que os signos são coisas em si, que transcendem nosso mundo. Fico intrigado com conjunção de certos planetas e o movimento das casas. Pois, aí, as essências torna-se desordenadas. Não te parece?

- Conjunção de quais planetas?

Ela estava sempre me testando. Minha sorte era ter a técnica da convicção desenvolvida, o que me ajudava a não perder o prumo.  

- Mirna, Marte com Netuno. Só para citar um exemplo simples. - Cada frase era um tiro no escuro que carregava toda a minha credibilidade.

- Nunca ouvi falar desta conjunção!

- É rara. Uma hora te mostro.

Com o tempo fui ficando apegado à astrologia e passei a me achar um pouco conhecedor. Lia o horóscopo todos os dias, descobri - na internet - meu ascendente e minha lua. Não demorei muito para conquistar a Mirna.

Minha máscara ruiu quando ela foi para o XXX Congresso Internacional de Astrologia, no Peru. Por alguma razão voltou de lá certa da minha fraude, e não ouve convicção que provasse o contrário - tomei o tombo ainda no aeroporto. Enquanto discursava, não percebi que ela fazia cara de desconfiada. Eu falava que pela conjunção de Marte com a Terra, agregando a fase da Lua, minha libido estava alcançando um estágio elevado. Eu havia visto que a distância entre os planetas estavam em níveis críticos e que, se ela não sabia, aquilo causava um distúrbio nas quantidades hormonais de cada um. Ela não esperou eu terminar; atacou sem dó:

- Ricardo, não existe conjunção de Marte com Netuno; os planetas não estão próximos; o teu ascendente não é touro e tua lua não está em gêmeos. Tu és uma farsa. 

Saiu em disparada, arrastando a mala de rodinhas. Ainda atirei uma explicação: tudo isso que tinha dito era em sentido metafísico, como uma pseudo-neo-astrologia. Ela já estava dentro táxi e mostrava o dedo médio pela janela.         

sábado, 23 de julho de 2011

À procura do mestre (continuação)

Com algum tempo de hippongagem, a gente aprende que esse pessoal dedicado à meditação e às práticas exotéricas pode ser um tanto extremista.

Quando encontrei o cara do vestidão - no dia seguinte -, perguntei se ele topava um café, ele negou. Quem sabe um pastel? Não comia farinha branca. Torta? Açúcar é veneno. Um suco? As frutas são congeladas. Água?

- Da Charrua nem pensar. Sou contra a Coca-Cola.

- Se pegamos da torneira?

Topou.

Logo que sentamos, percebi que o homem estava preparado. Tirou dois livrões da mochila, ambos com a mesma foto na capa: um cara barbudo, cabeludo e com um sorrisão. Gostei do sujeito.

- Rica, se tu queres entrar para os ensinamentos do mestre Karaschinanabanda, tu deves começar a fazer as práticas. Podes iniciar hoje. Fazemos aquele yoga diário, que tu viste ontem.

Calma lá, pensei. Eu tô querendo entrar para o clube, entender o ser e desprender dos bens materiais, mas fazer acrobacias no meio do campus, de sunga, com a galera vendo, não está nos meus planos. Comecei a dar desculpas variadas. Aleguei dores no joelho, nas costas, fraqueza nos braços. Ele respondeu que a prática resolveria tudo: o movimento era pensado para isto. Já estava quase sem saída quando veio a luz:

- Cara, não vai dar: esqueci minha sunga.

Passamos à teoria.

O grande mestre não era somente sábio. Pelo que entendi, era também um cara que sacava tudo de linguística. Dizia que devemos entrar em contato com o eu que é nós, que é tu, ele e todos. O eu que não é algo, porque é. Este nós, que é tu, ele e eu, é o ser. Não é um sujeito, mas verbo.

A coisa foi ficando enrolada. Percebi que não deveria ter matado aquelas aulas de português para entender os ensinamentos. O discurso não tinha fim: passou do eu para o todo e do todo para o nada. No final o meu eu já estava todo no nada: dormi.

- Tu estás dormindo?

Acordei num salto.

- Não estava dormindo, estava meditando...

- Tua cabeça caiu!

- Digamos que ressonei.

- Entendo. Os ensinamentos do grande Karaschinanabanda são profundos, a mente deseja fugir, porque tem medo que eles a destruam. Tu deves lutar contra isso.

Mais dez minutos de papo e comecei a desconfiar que minha mente era a maior cagona do mundo: o sono ficou irresistível. Eu piscava sem parar. Olhava do relógio para o amigo, do amigo para mesa. Já não entendia mais nada do que ele dizia, só ouvia aquela voz de fundo que parecia canção de ninar. Até que ele pegou na minha mão:

- Então? Tu topas?

- Como? - Momento tenso, não sabia o que ele tinha falado.

- Posso contar contigo na jornada?

Fiquei em dúvida: qual seria a resposta? Arrisquei, sem convicção:

- Sim?

- Beleza, ficamos acertados. Amanhã te espero no intervalo. Não esquece a tua sunga.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

À procura do mestre

Por mais que eu não tenha me adaptado ao retiro espiritual, saí de lá com vontade de ter um guru. Para um hippie, ter um mestre, é como para um economista ser pós-doutor – em Harvard.

Como eu nunca tinha lido a galera do Oriente, decidi falar com o cara do vestidão, que tinha um papo complicado, mas com toda cara de coisa importada.

Num intervalo de aula, fui procurar o homem. Ele estava - como de costume - no meio do pátio com mais cinco amigos, todos de sunga, fazendo uma posição de yoga que parecia mistura de auto-kamasutra com quero-suruba-já. Fiquei receoso. Poderia atrapalhar a comunicação deles com o todo; interromper o fluxo de respiração essencial para a ligação cósmica; ou pior, poderiam me convidar para participar da farra.

Quando o tempo do lanche estava no fim, tomei coragem. Cheguei devagar: calculando no passo e medindo na respiração. Eles haviam mudado a posição, agora parecia mais não-me-empurra-que-caio misturado com olha-que-te-ataco.

— Licença. Não querendo interromper, mas tô atrás de algumas informações sobre o grande... o grande, — como era mesmo o nome do guru? — aquele indiano bacana, do amor da consciência e todas aquelas coisas importantes. O Karacharchara?

Desconfiei que tinha errado o nome, porque um cara que estava lá atrás caiu um tombo, me olhou com cara feia e disparou:

— O grande Karaschinanabanda?

Fiquei constrangido. Decidi mostrar que eu não era um completo ignorante nas questões metafísicas. Já tinha estudado um pouco das coisas espirituais: tinha feito catequese, e na igreja de Lavras - pessoal ortodoxo. Lá a rapaziada também falava de amor. Eu sabia bem que Jesus Cristo tinha falado que a paz devia reinar entre os homens e...

No meio do papo vi que dois magros perderam a concentração e caíram, os dois ao mesmo tempo. Eu devia estar impressionando. Decidi não deixar nenhum de pé:

— Vocês talvez conheçam aquela passagem que Jesus manda ninguém atirar pedra na Madalena, que era sem vergonha, claro, mas também era gente. Ali ele mostra que a galera tem que se amar. — Puft. Derrubei mais um com essa, eu estava inspirado, só faltava o do vestidão. — E não podemos esquecer aquela outra passagem, a do vinho, que o cabeludo regou a festa a trago. O que é isso? Amor, amor verdadeiro ao próximo!

O sujeito seguia concentradíssimo.

Não queria entregar meus pontos. Como o conhecimento bíblico tinha chegado ao fim, arrisquei:

— Tem aquela frase, também, que resume tudo: “Mesmo que eu falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria”. Isso aí é da Bíblia. E diz tudo!

Bingo! O cara não resistiu: desequilibrou e foi pro chão. Fiquei olhando pra ele com cara de entendido. Combinamos uma conversa sobre o guru para o dia seguinte.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Retiro II

O bom hippie tem que ser desapegado dos bens materiais, isso é óbvio. O que ninguém imagina é que sai muito caro este tal desprendimento.

No primeiro dia de retiro, o mestre Gerson questionou quais eram os motivos que haviam levado cada um de nós até lá. As respostas foram bonitas e variadas. Um havia vindo em busca da iluminação transcendental do ser: queria ampliar a percepção até transpor as ínfimas barreiras do tempo e do espaço deixando para trás a mesquinhez deste mundo. O outro desejava conectar-se com o mais profundo, esquecendo e ultrapassando o que nos rodeia. Meu amigo de faculdade ansiava libertar a mente do desejo e superar a barreira que existia entre sujeito e objeto.

Quando fui convocado a falar, achei que ia ficar ridículo dizer que eu estava ali porque não agüentava mais a mãe no meu ouvido dizendo que era para resolver logo a questão do aumento da pensão. Fui genérico:

— Estou preocupado com questões básicas da subsistência humana.

Colou.

Depois que falei, o mestre citou algumas passagens do guru Karaschinanabanda, entoou mantras e disse que ficaríamos ali por dois dias e meio, faríamos todas as refeições no local e deveríamos evitar qualquer saída. Completou assinalando que, o pacote inteiro, incluindo meditação, aula de yoga e palestra sairia por quinhentos reais. Poderíamos pagar em cheque, dinheiro ou cartão de crédito. Eles haviam conseguido uma máquina de cartão. Refeições não estavam incluídas.

Percebi que era o único apegado aos bens materiais quando todos pagaram em dinheiro, à vista. Só eu dei cheque, dois pré-datados

O retiro foi difícil de agüentar. Não pelas aulas de yoga, que eram bem bacanas. Dureza era a meditação. Manter o foco numa parede branca por duas horas era impossível e tornou-se insustentável depois da primeira refeição: foram servidos dois pasteizinhos assados e um suco verde — cobraram quinze reais e cinquenta centavos. Acabei gastando todo o meu tempo  dedicado à limpeza da mente tentando imaginar quais calamidades teriam acontecido no Brasil para que dois pasteizinhos de espinafre com um copo de suco inflacionassem tanto em menos de um dia de retiro.

Nas palestras, o mestre Gerson falava muito da necessidade de enxergar este mundo como uma ilusão fabricada pela nossa mente. Para ele, nosso cérebro interpretava os acontecimentos como reais, mas eles eram passageiros e falsos. Ele discursava e eu só pensava no meu dinheiro: preferia ser um iludido com quinhentos reais que um desiludido pobretão.

Não suportei mais no dia seguinte, quando serviram um pãozinho com manteiga e um chá no café da manhã: dez reais tudo. Levantei e fui até a porta; o mestre tentou me segurar, queria me convencer a persistir.

— Mestre Gerson, mais um dia aqui e peço meu dinheiro de volta.

Ele me soltou e sugeriu que eu fosse em paz.

Retiro

Todo hippie (para poder ser chamado assim sem constrangimentos) tem que ter ido a, no mínimo, dois festivais de música no meio do mato e a um retiro espiritual. É fundamental que, se durante um dos festivais chover todos os dias, isso não atrapalhe em nada a vibe da galera. Pelo contrário, deve proporcionar um contato ainda mais intenso da mão com a terra. 

Como naquela altura da faculdade eu já contabilizava um festival, decidi comparecer a um retiro acompanhado da turma dedicada à meditação, ao yoga e à leitura dos ensinamentos de um guru indiano com nome complicado.

Quem me convidou foi um colega que andava sempre de sandálias e vestidão. Nós nunca tínhamos conversado, mas eu estava sempre de olho nele. Era impossível não olhar para um cidadão fazendo yoga, no meio do campus, de vestido, no inverno, e de sunga no verão.

Num dia em que eu estava imaginando o que dizer pro pai para tentar convencê-lo a dar o aumento de pensão que a mãe exigia, o cara veio puxar assunto:

— Bom dia, amigo. Vejo pela sua expressão que você está preocupado com alguma coisa da existência do ser. Percebo que algo fundamental povoa os seus pensamentos.

— Meu chapa, eu estou preocupado com algo mais importante do que a existência, estou preocupado com a subsistência do meu ser. Se é que você me entende. — Para deixar claro que minha questão era dinheiro, fiz minha melhor cara de pobre preocupado.

Não pude ter certeza de que ele tivesse entendido bem. Descarrilhou a dizer que compreendia minha preocupação com a essência que nos nutre. Afinal, isso também era o supremo amor de que falava o grande Karaschinanabanda. Perguntou se eu já tinha lido o grande Karaschinanabanda e ficou surpreso com minha ignorância no assunto:

— Então, você ainda não conhece o maior dos mestres? Não entende esta grande conexão que há entre todos nós? Pois eu convido você a participar do retiro espiritual internacional pela conscientização e iluminação de todos os povos do mundo, que será dirigido por outro grande guru.

Parecia importante. Imaginei que seria no Peru, no Chile ou quem sabe até na Índia — naqueles templos antigos — e eu não teria grana para tanto. Expliquei para o amigo que provavelmente não poderia ir até lá.

— Mas vai ser em Canoas, na casa do Marquinho, com o Mestre Gerson. A gente pode ir de carro.

Topei. Ao menos só me faltaria um festival.