quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Pai

Na minha família a gente sempre fez aquela brincadeira do telefone sem fio. É aquela brincadeira que um fala pro outro, que fala pro outro, que fala pro outro e no final dá tudo errado. Lá em casa era igual: eu contava para a minha mãe e ela contava para o meu pai. No final a brincadeira saía certinho. O pai entendia tudo torto e eu tinha que me dobrar nas explicações.

Para deixar claro, os meus pais nunca foram casados. Ele mora em Lavras e tem um mini-mercado, o Hiposul. O Hiposul abre às 7h e 30min e fecha às 20h. Eu sei toda a rotina do mercado, ouvi uma porção de vezes. O papo sempre começa por: “Meu filho, tu sabe de que horas a que horas eu trabalho?”, e segue com uma longa explicação da árdua semana de laboro dele, que, às vezes, inclui os sábados.

Quando eu decidi fazer filosofia a mãe me deu um apoio, fez um telefone sem fio:

- Olha, o Ricardo escolheu um curso meio estranho. Espera, ele te conta.

- Filosofia, pai. Filosofia.... FI-LO-SO-FIA.

- Acho que eu estou ouvindo errado, Ricardo. O telefone aqui de casa deve estar com problema. Vem para Lavras que a gente se entende melhor.

Desliguei o telefone. Quando olhei para a mãe, ela estava indo na direção do computador

- Mãe, o pai quer que eu vá para Lavras.

- Imaginei. Já estou comprando a passagem na internet.

A mãe sempre foi a mão amiga na hora difícil.

Fui no final de semana. Eu e o pai tivemos uma conversa racional, pesando os prós e contras de fazer o curso:

- Ricardo, eu decidi, tu vais fazer Direito! Filosofia e Direito são iguais, a diferença é que quem se forma em Filosofia é filósofo, ou seja, nada. E não tem trabalho.

- Não é bem assim, pai.

- Ricardo, realiza: tu, filósofo! Filósofo faz o quê, Ricardo?

- Pensa! Pai, eu vou fazer Filosofia!

- Tudo bem, vai ser Filósofo. Vou reduzir tua grana. Pensar é de graça!

Pronto. Problema resolvido com o pai. A questão, agora, era com a velha. O argumento da redução do dinheiro era muito usado: a mãe não gostava muito.

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