Tem uma coisa que a gente
aprende rápido quando decide ser hippie: tem que se vestir mal. Nada de sair com qualquer roupa na rua. Dá muito trabalho andar por aí mal vestido.
Mas não tardei para aprender a arte. Tudo
era uma questão de pegar as roupas mais coloridas do armário e colocar todas
juntas, uma por cima da outra. Minhas peças preferidas eram uma calça
de moletom azul; uma camiseta com um desenho abstrato em verde, vermelho, amarelo
e laranja sobre um fundo marrom; um casaco do exército alemão e alpargatas. Tudo
isso formava uma combinação ímpar, que me conferia muito respeito entre os
colegas.
Algumas vezes tentei
arriscar peças mais discretas; usei tons de cinza - não deu ibope.
O importante era passar a
imagem de desinteresse; tinha que aparentar que a roupa escolhida era a primeira que pulara do armário na minha mão. Quem se apresentasse com ares de que escolheu o traje, que combinou calça
com camiseta, era tido como pessoa menor: um ser que precisava cuidar da aparência
porque não tinha conteúdo.
No início a mãe andava preocupada. Era eu despontar na sala que ela vinha de arrasto. Queria
saber se eu tinha visto o furo atrás da minha camiseta; se eu sabia que camiseta marrom não combinava com a calça azul turquesa; e, principalmente, se eu tinha consciência
que nada combinaria com uma calça azul turquesa.
Demorou, mas com o passar dos anos foi acostumando.
Quando eu aparecia, ela levantava os olhos, erguia uma sobrancelha e voltava
pros seus afazeres. Manteve o autocontrole por anos. Até que um dia não pôde mais. Eu
estava de saída, ela sentada lendo jornal. Vi que olhou sobre as folhas; conferiu a calça e a camiseta. Pareceu consentir. Quando cheguei à porta ela olhou por baixo do jornal.
- Meu filho, só um
minutinho. Isso são alpargatas?
- Sempre.
- E me diz uma coisa,
isso são meias de lã?
Levantei os pés e olhei as
meias. Fingindo inocência respondi:
- Pior que são.
- Tu estás de alpargatas e
meias de lã?
- Isso.
Ela fraquejou: inspirou
fundo e soltou o ar num longo suspiro:
- Aaaaiii meu filho.
Percebi a oportunidade de defender meu ponto de vista. Discorri sobre a incongruência do ser e do aparecer. Questionei se ela não via que a roupa não significava nada. O que estava por cima tanto fazia, o importante era o que vinha de dentro. Era aí que deveria acontecer a verdadeira escolha. Terminei o discurso dizendo que sempre pegaria a primeira roupa que visse dentro do armário, porém escolheria com amor minha decisões éticas.
Ela pareceu intrigada; levantou as duas sobrancelhas e deu um sorriso. Supus que estava espantada com minha genialidade.
Na saída escutei:
Percebi a oportunidade de defender meu ponto de vista. Discorri sobre a incongruência do ser e do aparecer. Questionei se ela não via que a roupa não significava nada. O que estava por cima tanto fazia, o importante era o que vinha de dentro. Era aí que deveria acontecer a verdadeira escolha. Terminei o discurso dizendo que sempre pegaria a primeira roupa que visse dentro do armário, porém escolheria com amor minha decisões éticas.
Ela pareceu intrigada; levantou as duas sobrancelhas e deu um sorriso. Supus que estava espantada com minha genialidade.
Na saída escutei:
- Muito bem, até a volta. Boa aula.
Quando voltei da faculdade entendi tudo. Todas as minhas roupas antigas estavam na lavanderia, no meu guarda-roupas só tinham camisas pólo e calças jeans. Pensei em reclamar, mas sabia que seria minha completa desmoralização.
A velha não se entregava fácil; mas eu também não ia afrouxar.
rsrsrsrs, ai ai, as mães, sempre acabando com a gente... Ótima postagem, como sempre.
ResponderExcluiruhahuauhahhau
ResponderExcluirQue gostoso ler esse conto, adorei! Tão leve. Mães, mães... Melhor não tê-las... Mas se não tê-las, como sabê-las???
Beijos
Incrível, tudo - sem mais.
ResponderExcluirSinto falta dos teus textos!
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