segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Alpargatas e meias de lã


Tem uma coisa que a gente aprende rápido quando decide ser hippie: tem que se vestir mal. Nada de sair com qualquer roupa na rua. Dá muito trabalho andar por aí mal vestido.

Mas não tardei para aprender a arte. Tudo era uma questão de pegar as roupas mais coloridas do armário e colocar todas juntas, uma por cima da outra. Minhas peças preferidas eram uma calça de moletom azul; uma camiseta com um desenho abstrato em verde, vermelho, amarelo e laranja sobre um fundo marrom; um casaco do exército alemão e alpargatas. Tudo isso formava uma combinação ímpar, que me conferia muito respeito entre os colegas.
Algumas vezes tentei arriscar peças mais discretas; usei tons de cinza - não deu ibope.

O importante era passar a imagem de desinteresse; tinha que aparentar que a roupa escolhida era a primeira que pulara do armário na minha mão. Quem se apresentasse com ares de que escolheu o traje, que combinou calça com camiseta, era tido como pessoa menor: um ser que precisava cuidar da aparência porque não tinha conteúdo.

No início a mãe andava preocupada. Era eu despontar na sala que ela vinha de arrasto. Queria saber se eu tinha visto o furo atrás da minha camiseta; se eu sabia que camiseta marrom não combinava com a calça azul turquesa; e, principalmente, se eu tinha consciência que nada combinaria com uma calça azul turquesa.
                             
Demorou, mas com o passar dos anos foi acostumando. Quando eu aparecia, ela levantava os olhos, erguia uma sobrancelha e voltava pros seus afazeres. Manteve o autocontrole por anos. Até que um dia não pôde mais. Eu estava de saída, ela sentada lendo jornal. Vi que olhou sobre as folhas; conferiu a calça e a camiseta. Pareceu consentir. Quando cheguei à porta ela olhou por baixo do jornal.

- Meu filho, só um minutinho. Isso são alpargatas?

- Sempre.

- E me diz uma coisa, isso são meias de lã?

Levantei os pés e olhei as meias. Fingindo inocência respondi:

- Pior que são.

- Tu estás de alpargatas e meias de lã?

- Isso.

Ela fraquejou: inspirou fundo e soltou o ar num longo suspiro:

- Aaaaiii meu filho. 


Percebi a oportunidade de defender meu ponto de vista. Discorri sobre a incongruência do ser e do aparecer. Questionei se ela não via que a roupa não significava nada. O que estava por cima tanto fazia, o importante era o que vinha de dentro. Era aí que deveria acontecer a verdadeira escolha. Terminei o discurso dizendo que sempre pegaria a primeira roupa que visse dentro do armário, porém escolheria com amor minha decisões éticas.   
Ela pareceu intrigada; levantou as duas sobrancelhas e deu um sorriso. Supus que estava espantada com minha genialidade. 


Na saída escutei:


- Muito bem, até a volta. Boa aula.


Quando voltei da faculdade entendi tudo. Todas as minhas roupas antigas estavam na lavanderia, no meu guarda-roupas só tinham camisas pólo e calças jeans. Pensei em reclamar, mas sabia que seria minha completa desmoralização. 

A velha não se entregava fácil; mas eu também não ia afrouxar. 

4 comentários:

  1. rsrsrsrs, ai ai, as mães, sempre acabando com a gente... Ótima postagem, como sempre.

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  2. uhahuauhahhau
    Que gostoso ler esse conto, adorei! Tão leve. Mães, mães... Melhor não tê-las... Mas se não tê-las, como sabê-las???

    Beijos

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