quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Astrologia

Na faculdade aprendi que para ser entendido num assunto o fundamental é decorar algumas palavras e falar com convicção. Sempre usei essa estratégia - das discussões metafísicas aos debates políticos.

Quando o tema era o destino do Brasil, eu criticava o sistema e a burguesia: citava alguma frase do Marx e xingava a ganância e a tecnologia. Aprimorei a técnica quando aprendi que com alguns bons prefixos (como "neo" e "pseudo") ganhava alguma relevância nos debates.

Formei verdadeiras pérolas:

- A questão é a neo burguesia brasileira, impregnada deste pseudo sistema capitalista. Claro, tudo fruto das novas tecnologias, que aumentam a ganância sem nutrir o que é fundamental para o ser. - Às vezes juntava espiritualidade com política; aí não tinha pra ninguém.

Quando o pessoal enveredava para as querelas metafísicas, era apropriado utilizar palavras como ser, essência e transcendência. Por um tempo tentei usar ontologia, mas nunca entendi bem o significado, e percebi que sempre que arriscava o pessoal olhava com cara de desconfiado. Achei prudente ficar no meu metiê.

- Temos que admitir que a essência do ser é transcendente. O ente tem o seu devir verdadeiro, não essa pseudo realidade. - Aqui também podia atochar uns prefixos, mas era mais delicado.

Foi esta técnica que me deu confiança quando conheci a Mirna. Ela era astróloga. Vivia falando dos signos e dos planetas. Eu não entendia nada, mas era uma beleza vê-la apontando para o céu enquanto palestrava.


Para não parecer burro eu arriscava opiniões. O problema é que a única coisa que sabia sobre signos é que todos têm nomes de bichos. Tentava atacar com o papo metafísico, mesclando com algumas palavras básicas do horóscopo do jornal.

- Acho que os signos são coisas em si, que transcendem nosso mundo. Fico intrigado com conjunção de certos planetas e o movimento das casas. Pois, aí, as essências torna-se desordenadas. Não te parece?

- Conjunção de quais planetas?

Ela estava sempre me testando. Minha sorte era ter a técnica da convicção desenvolvida, o que me ajudava a não perder o prumo.  

- Mirna, Marte com Netuno. Só para citar um exemplo simples. - Cada frase era um tiro no escuro que carregava toda a minha credibilidade.

- Nunca ouvi falar desta conjunção!

- É rara. Uma hora te mostro.

Com o tempo fui ficando apegado à astrologia e passei a me achar um pouco conhecedor. Lia o horóscopo todos os dias, descobri - na internet - meu ascendente e minha lua. Não demorei muito para conquistar a Mirna.

Minha máscara ruiu quando ela foi para o XXX Congresso Internacional de Astrologia, no Peru. Por alguma razão voltou de lá certa da minha fraude, e não ouve convicção que provasse o contrário - tomei o tombo ainda no aeroporto. Enquanto discursava, não percebi que ela fazia cara de desconfiada. Eu falava que pela conjunção de Marte com a Terra, agregando a fase da Lua, minha libido estava alcançando um estágio elevado. Eu havia visto que a distância entre os planetas estavam em níveis críticos e que, se ela não sabia, aquilo causava um distúrbio nas quantidades hormonais de cada um. Ela não esperou eu terminar; atacou sem dó:

- Ricardo, não existe conjunção de Marte com Netuno; os planetas não estão próximos; o teu ascendente não é touro e tua lua não está em gêmeos. Tu és uma farsa. 

Saiu em disparada, arrastando a mala de rodinhas. Ainda atirei uma explicação: tudo isso que tinha dito era em sentido metafísico, como uma pseudo-neo-astrologia. Ela já estava dentro táxi e mostrava o dedo médio pela janela.         

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