quinta-feira, 7 de julho de 2011

Retiro II

O bom hippie tem que ser desapegado dos bens materiais, isso é óbvio. O que ninguém imagina é que sai muito caro este tal desprendimento.

No primeiro dia de retiro, o mestre Gerson questionou quais eram os motivos que haviam levado cada um de nós até lá. As respostas foram bonitas e variadas. Um havia vindo em busca da iluminação transcendental do ser: queria ampliar a percepção até transpor as ínfimas barreiras do tempo e do espaço deixando para trás a mesquinhez deste mundo. O outro desejava conectar-se com o mais profundo, esquecendo e ultrapassando o que nos rodeia. Meu amigo de faculdade ansiava libertar a mente do desejo e superar a barreira que existia entre sujeito e objeto.

Quando fui convocado a falar, achei que ia ficar ridículo dizer que eu estava ali porque não agüentava mais a mãe no meu ouvido dizendo que era para resolver logo a questão do aumento da pensão. Fui genérico:

— Estou preocupado com questões básicas da subsistência humana.

Colou.

Depois que falei, o mestre citou algumas passagens do guru Karaschinanabanda, entoou mantras e disse que ficaríamos ali por dois dias e meio, faríamos todas as refeições no local e deveríamos evitar qualquer saída. Completou assinalando que, o pacote inteiro, incluindo meditação, aula de yoga e palestra sairia por quinhentos reais. Poderíamos pagar em cheque, dinheiro ou cartão de crédito. Eles haviam conseguido uma máquina de cartão. Refeições não estavam incluídas.

Percebi que era o único apegado aos bens materiais quando todos pagaram em dinheiro, à vista. Só eu dei cheque, dois pré-datados

O retiro foi difícil de agüentar. Não pelas aulas de yoga, que eram bem bacanas. Dureza era a meditação. Manter o foco numa parede branca por duas horas era impossível e tornou-se insustentável depois da primeira refeição: foram servidos dois pasteizinhos assados e um suco verde — cobraram quinze reais e cinquenta centavos. Acabei gastando todo o meu tempo  dedicado à limpeza da mente tentando imaginar quais calamidades teriam acontecido no Brasil para que dois pasteizinhos de espinafre com um copo de suco inflacionassem tanto em menos de um dia de retiro.

Nas palestras, o mestre Gerson falava muito da necessidade de enxergar este mundo como uma ilusão fabricada pela nossa mente. Para ele, nosso cérebro interpretava os acontecimentos como reais, mas eles eram passageiros e falsos. Ele discursava e eu só pensava no meu dinheiro: preferia ser um iludido com quinhentos reais que um desiludido pobretão.

Não suportei mais no dia seguinte, quando serviram um pãozinho com manteiga e um chá no café da manhã: dez reais tudo. Levantei e fui até a porta; o mestre tentou me segurar, queria me convencer a persistir.

— Mestre Gerson, mais um dia aqui e peço meu dinheiro de volta.

Ele me soltou e sugeriu que eu fosse em paz.

4 comentários:

  1. Cara, muito boa as crônicas...
    Tão foda que peguei pra ler todo o blog, parabéns.

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  2. Mariana,
    valeu pelo elogio!
    volte sempre.

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  3. Tô morrendo de rir aqui. Fantástico teu blog!!!!!! Muuuuito bom! Uma dose diária vai bem!! rs

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  4. Viviane,
    Obrigado. Vou tentar manter as coisas atualizadas por aqui.

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