sábado, 23 de julho de 2011

À procura do mestre (continuação)

Com algum tempo de hippongagem, a gente aprende que esse pessoal dedicado à meditação e às práticas exotéricas pode ser um tanto extremista.

Quando encontrei o cara do vestidão - no dia seguinte -, perguntei se ele topava um café, ele negou. Quem sabe um pastel? Não comia farinha branca. Torta? Açúcar é veneno. Um suco? As frutas são congeladas. Água?

- Da Charrua nem pensar. Sou contra a Coca-Cola.

- Se pegamos da torneira?

Topou.

Logo que sentamos, percebi que o homem estava preparado. Tirou dois livrões da mochila, ambos com a mesma foto na capa: um cara barbudo, cabeludo e com um sorrisão. Gostei do sujeito.

- Rica, se tu queres entrar para os ensinamentos do mestre Karaschinanabanda, tu deves começar a fazer as práticas. Podes iniciar hoje. Fazemos aquele yoga diário, que tu viste ontem.

Calma lá, pensei. Eu tô querendo entrar para o clube, entender o ser e desprender dos bens materiais, mas fazer acrobacias no meio do campus, de sunga, com a galera vendo, não está nos meus planos. Comecei a dar desculpas variadas. Aleguei dores no joelho, nas costas, fraqueza nos braços. Ele respondeu que a prática resolveria tudo: o movimento era pensado para isto. Já estava quase sem saída quando veio a luz:

- Cara, não vai dar: esqueci minha sunga.

Passamos à teoria.

O grande mestre não era somente sábio. Pelo que entendi, era também um cara que sacava tudo de linguística. Dizia que devemos entrar em contato com o eu que é nós, que é tu, ele e todos. O eu que não é algo, porque é. Este nós, que é tu, ele e eu, é o ser. Não é um sujeito, mas verbo.

A coisa foi ficando enrolada. Percebi que não deveria ter matado aquelas aulas de português para entender os ensinamentos. O discurso não tinha fim: passou do eu para o todo e do todo para o nada. No final o meu eu já estava todo no nada: dormi.

- Tu estás dormindo?

Acordei num salto.

- Não estava dormindo, estava meditando...

- Tua cabeça caiu!

- Digamos que ressonei.

- Entendo. Os ensinamentos do grande Karaschinanabanda são profundos, a mente deseja fugir, porque tem medo que eles a destruam. Tu deves lutar contra isso.

Mais dez minutos de papo e comecei a desconfiar que minha mente era a maior cagona do mundo: o sono ficou irresistível. Eu piscava sem parar. Olhava do relógio para o amigo, do amigo para mesa. Já não entendia mais nada do que ele dizia, só ouvia aquela voz de fundo que parecia canção de ninar. Até que ele pegou na minha mão:

- Então? Tu topas?

- Como? - Momento tenso, não sabia o que ele tinha falado.

- Posso contar contigo na jornada?

Fiquei em dúvida: qual seria a resposta? Arrisquei, sem convicção:

- Sim?

- Beleza, ficamos acertados. Amanhã te espero no intervalo. Não esquece a tua sunga.

5 comentários:

  1. "Digamos que ressonei" caguei de rir, demais! Sugiro que coloques aquela parada que avisa as pessoas por e-mail quando tem novas postagens, não quero perder nenhum capítulo da história!!!

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  2. Ops, desculpe, acabei de ver que já tem...a viajona!!!

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  3. Dani,
    Valeu pelo elogio. Vou ver se faço isso dos e-mails, acho que ainda não tem.
    Abraço.

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  4. hahahahahah algo bem parecido já aconteceu comigo, mas sem a história toda de usar sungas.

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