quinta-feira, 3 de março de 2011

Os ortodoxos

Quando eu não ia para Lavras, passar as férias no Hiposul, acabava indo para alguma praia com a mãe. Era legal: almoço em casa todos os dias, cama arrumada e não precisava lavar roupa. Na praia a mãe se enchia de vontade e decidia fazer tudo; gostava de cuidar da casa.
Eu ficava de vadiagem, pegando uma praia e tocando violão.

Uma vez a gente foi para Garopaba - lá é uma beleza. Eu passava o dia caminhando de um lado para o outro, curtindo a paisagem e a mulherada de biquini - biquini é outra beleza. Numa das bandas conheci uma galera hippie que também estava de passagem pelo litoral de Sana Catarina.

Com eles descobri que existe uma diferença clara entre a galera metida à hippie e os caras que levam a coisa a sério. Essa turma de Garopaba era hippie de verdade, do tipo ortodoxo. Viajavam de carona, vendiam artesanato, faziam dreed para ganhar grana e tocavam música na praça por alguns trocados. Não tinham um pila no bolso e não sabiam se teriam comida na janta. Dormiam na praça ou na praia e o banho era só de mar. Eu achava aquilo tudo muito radical: banho todo dia não chega a ser coisa de burguês.

Acabei me enturmando com o pessoal, pra ganhar alguma experiência. Eu já tinha barba de respeito, cabelo que não fazia vergonha e até brinco na orelha.

O primeiro cara que me aproximei foi o Marola. Ele era uma figura: torrado pelo sol, cabelo pela cintura e usava bigodinho do tipo boliviano. O Marola não vendia artesanato, não fazia dreed e nem tocava instrumento algum na praia para ganhar uns trocos - o Marola vivia de pequenos golpes.

O grande truque do cara era simples: ele tinha várias pulseirinhas na mochila, saia pela praia oferecendo e dizia que era a "Santa Pulseira Protetora dos Pescadores". Cobrava 4 pila cada. Eu ficava impressionado como o tanto de gente boba que tem no mundo - ele vendia bastante.
Justiça seja feita, era um negociante. Convencia as pessoas que era pescador da região e que a pulseira era uma tradição local. Muitas vezes falava que não ia cobrar nada - era um presente - e quando o "cliente" amarrava a pulseira no braço ele pedia uma contribuição.

Quando o Marola chegava ao valor necessário para almoçar e comer um sorvete, do qual ele não abria mão, parava e ia ficar de vadiagem. O melhor era que ele não tinha nenhuma culpa por enganar o pessoal, ele achava que estava com a razão:    

- Marola, toma vergonha nessa cara? Fica enganando a galera!

- Rica, a minha história é quase verdade.

- Como assim? Tu nunca pescou, tu não mora em Garopaba e essa pulseira veio do Peru. Que parte da história é verdade?

- Não sei, parceiro, mas é uma história que poderia ser verdade.

O cara era foda.

Descobri o quanto ele era sem vergonha no dia que nós dois encontramos minha mãe caminhando na praia. Ela veio me perguntar sobre o almoço, acabei apresentando o Marola e ele mais que ligeiro ofereceu uma pulseira pra velha. Fiquei indignado:

- Porra Marola, é minha mãe!

- Rica, são meus negócios. A senhora pode comprar uma pulseira que protege dos perigos do mar.

- Desculpa, querido, mas eu não entro no mar, tenho medo.

- Pois então, assim a senhora toma coragem e aproveita mais a praia.

Ela acabou comprando duas. O cara era um gênio.

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