quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Na direção

Quando entrei na sala da diretoria o meu atraso era o menor dos problemas. A sala estava num alvoroço; a diretora discutia com o pai de uma aluna.

Pelo que entendi, a discussão era sobre o ensino religioso no colégio. O pai da aluna era pastor evangélico e exigia uma formação religiosa. A diretora argumentava que não era possível; o reverendo não se conformava.

A coisa ia indo assim, a sala estava virando um culto:

- A senhora não tem Deus nesta escola! Como minha filha vai estar num local sem Deus? Eu exijo que esta seja uma casa do senhor!

- Meu senhor, calma! O ensino religioso não está presente nas escolas do município, mas os alunos recebem uma formação moral.

- Que tipo de formação moral?

A diretora perdeu terreno. Procurava a resposta com os olhos. Fitou o teto, desviou para a esquerda e à direita. Por fim encontrou a resposta quando me viu no canto da sala.

- Quem vai lhe responder isso é o nosso professor Ricardo. Ele leciona filosofia e moral aqui na escola.

Fui promovido rapidamente, de estagiário a professor em minutos.

O pastor não teve piedade de mim:

- Este senhor com barba por fazer e cabelos despenteados é o responsável pela moral na sua escola? Diga professor, o senhor tem Deus no coração? É religioso? Segue os preceitos de Jesus?

Minha vontade era dizer que há alguns minutos os alunos tinham visto na minha figura o próprio Jesus, que se alguém tinha autoridade para dar discurso moral naquele local era eu. Achei melhor não arriscar, o homem estava começando a ficar vermelho:

- O senhor sabe como é! A gente tenta ensinar, mas essa gurizada, não é fácil: muito faceira. Os hormônios...- Nem terminei a frase o homem virou um pimentão; a diretora começou a balançar a cabeça desesperadamente e dizia não com a boca.

- Isto é um absurdo, senhora diretora. O que vocês estão insinuando? Que minha filha é uma devassa? Eu quero que este teto caia se minha filha tem algum pensamento deste tipo. Eu quero que o teto venha abaixo neste instante! Que Deus jogue tudo sobre nós!

Sou um ateu, mas o pastor falou aquilo com tanta convicção, tanto entusiasmo, que olhei para o teto; a viga do teto ficava um passo para o meu lado esquerdo. Na dúvida deu um passinho discreto.

- Calma, senhor. O professor quer dizer que o ensino dos jovens é delicado.

- Diretora, fique sabendo que pretendo processar sua escola por injúria!

O homem saiu indignado. O meu atraso parecia tão insignificante que decidi abordar logo o assunto:

- Diretora, quanto ao meu atraso...

- Estagiário, faça um favor, saia da minha sala e de preferência esteja na hora certa na escola amanhã.

Um comentário: