segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Trauma

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Trauma infantil é o maior trunfo que alguém pode ter. É como a carta curinga do baralho, a gente usa na hora do aperto.

Quando a Tamara me traiu tentei acabar o namoro: falei que todo mundo tem um limite e o meu era ver ela beijando outro cara. Então ela contou do dia que colocou um vestido e o pai dela disse que ‘aquilo’  parecia um macaco; acabou me levando no trauma. Não lembro qual era a relação entre o episódio do vestido e o par de chifres, na época pareceu coerente.

A Tamara não foi justa, não é certo sair atirando à revelia. Quem produziu o trauma que o aguente! O meu eu só usava com a mãe.

Quando eu rodei na oitava série, ela ficou indignada.

- Ricardo, isto é um absurdo. Tu só tens que estudar para viver. Como foi rodar de ano? Tu vais ser lixeiro!

Isto me incomodou. No ano seguinte, quando peguei a primeira recuperação, ela veio para cima: 

- Como? De novo? Tudo de novo? O que vai ser de ti?

- Lixeiro?

- Não fala assim, meu filho. 

Eu percebi que tinha um coringa à mão e decidi usá-lo com cuidado.

Nos primeiros anos de faculdade, quando ela mostrava as oportunidades de emprego, eu negava todas com boa argumentação: ressaltava a necessidade de um bom tempo de estudo e o incomodo que seria chegar todo dia atrasado ao trabalho. Ela não aceitava fácil, mas quando a coisa atingia um ponto crítico eu dava um sinal:

- Tu ficas te perguntando o que eu vou ser?  

Ela sempre recuou, até que saiu o edital do concurso do Banco do Brasil. O sonho da mãe era o filho no B.B! Os olhos dela brilhavam quando imaginava o Ricardinho com aquela camisetinha com o logo do banco. Quando saiu o edital ela já pensava na aposentadoria integral; esquecia o trabalho que separava o hoje do amanha.

Discutimos por dias, esgotei minha argumentação. A meu favor restava a minha falta de vontade e o meu curinga:

- Mãe, eu não quero trabalhar no Banco do Brasil!

Ela decidiu lançar o desafio:

- E o que tu vais fazer, então?

- Quem sabe lixeiro? É uma profissão digna! 

O psicólogo dizia que era tirania. Aposto que a mãe dele nunca mandou ninguém trabalhar no Banco do Brasil.

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