segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Salamito

Boi

O maior inimigo do meu vegetarianismo era o salamito.

O salamito é a maior hipocrisia da humanidade. Ele não assume sua essência carnívora, ilude qualquer um. Carece da honestidade do sangue.

Por anos recusei churrasco, carne assada com batata, bife a cavalo e bife a pé com naturalidade. O formato da carne ajudava: imaginava o pedaço dentro do boi. Quando a geometria não era suficiente agarrava-me ao sangue: a lembrança das veias pulsando apagava meu apetite.

O salamito vencia todos os meus expedientes; era um inimigo disfarçado.

Contra ele eu só tinha as dificuldades do capital. O salame é uma das coisas caras do mercado, como o kiwi e o queijo gorgonzola. Em casa essas especiarias não apareciam. Tinha mortadela, presunto e (quando muito) peito defumado. Modéstia à parte, dou baile em peito defumado.

Às vezes a mãe fazia sanduíche de requeijão, queijo e peito. Queria testar meus limites. Eu tirava de letra, recusava com facilidade.

- Obrigado, eu sou vegetariano!

Mas o pecado sempre encontra um jeito de chegar até nós. Uma vez apareceu um salame italiano, coisa fina. Ficava pendurado no armário da cozinha e inebriava o ambiente com aquele perfume. Todo o dia diminuía consideravelmente, devorado pela gula da mãe.

Ela não tinha respeito pela iguaria. Colocava seis ou sete fatias grossas – toscas - em um pão francês. Comia uma fatia a cada mordida e no último pedaço do pão não havia salame. A maior heresia era quando ela cortava um naco para comer com aquele resto de sanduíche. Era insuportável! Eu levantava e saía da cozinha indignado!

- O que foi, meu filho?

- Nada, nada! Tu não entendes de nada!

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