O maior aperto que passei em uma reunião familiar foi na casa da Rê.
Depois de uma conversa adulta eu decidi visitar a família dela em Coronel Bicaco. Afinal, tem uma hora na vida da gente que temos de amadurecer os relacionamentos e aceitar alguns passos inevitáveis.
A decisão foi tomada num momento oportuno: nós estávamos sozinhos lá em casa, no meu quarto. Pela primeira vez ela tinha frouxado um pouco e estávamos na cama. Eu usava todas as minhas artimanhas - que na época eram poucas - e ela nada.
- Ricardo, eu não vou fazer!
- Por que não?
- Não dá! Se ao menos tu conhecesses minha família.
- Próxima semana eu vou lá. Juro! Agora vem aqui.
Ela levantou com um pulo
- Semana que vem a gente conversa, então!
No final de semana seguinte estávamos no ônibus para Coronel Bicaco. Na primeira hora de viagem percebi que a coisa não iria ser fácil:
- Ricardo, tu tinhas que vir com esse boné do Pateta? Ficou ridículo!
- Sempre uso para viajar. Posso tirar se tu não gostas.
- Pelo amor de Deus, coloca esse boné, teu cabelo está horrível!
O irmão dela foi nos buscar na rodoviária e ali eu percebi o tamanho dos meus problemas: ele cumprimentou a Rê com um aperto de mão. Fiquei apavorado! O que eu podia fazer com um homem que aperta a mão da irmã como sinal de boas vindas?
Fiquei esperando a reação dele, não podia me apequenar, mantive o olho no olho. Não foi um clássico olho no olho, porque ele olhava do meu boné para a minha camiseta do PT, da camiseta para as minhas alpargatas e das alpargatas para o boné.
Por fim, passado o susto, se apresentou, dando um toque de leve na aba do chapéu de gaúcho:
- Prazer. Marcelo.
Fiz o mesmo: dei um toque no nariz do meu Pateta, “Prazer, Ricardo”.
Na casa da família tinha umas 20 pessoas, os homens todos de bombachas e cada um com a sua faca; ambiente acolhedor para a minha camiseta do PT. A Rê tomou a frente, apertando a mão de todos. Eu fui atrás segurando firme o nariz do Pateta, cumprimentando um por um: levantava a aba do boné e inclinava a cabeça.
Foi uma tarde horrível. Todo mundo queria saber da minha família, do meu cabelo, da minha barba e do meu chapéu (acho que da camiseta eles preferiram não comentar). Eu tive cinco minutos de paz quando seu Agenor, meu sogro, serviu o churrasco.
Foram cinco minutos. Tomei um copo de Coca, servi a salada de maionese e escutei:
- O Ricardo é vegetariano, não come mamíferos!
Virou um reboliço! Quem expressou a opinião da família foi um dos tios da Rê, que levantou um pedaço de carne espetado no garfo e bradou:
- Guri, nós estamos em guerra com a natureza! A carne é nosso trunfo!
A mãe da Rê ficou assustada e partiu na minha defesa:
- Calma, cada um come o que quiser. Quem sabe ele come uma lingüiça. Porco é mamífero?
Começaram a discutir. Do meu lado só estavam a minha sogra e uma guria de 15 anos que não tinha voz nenhuma na família. A Rê me acusava sem parar.
Eu já estava querendo comer a carne para terminar com aquilo, mas as cenas do documentário povoavam minha cabeça. Fiquei entre a cruz e o espeto.
Então o seu Agenor chegou do meu lado, cortou um pedaço de carne com a faca dele (que era do tamanho do meu braço) e falou, perto do meu ouvido:
- Ricardo, essa vaca foi criada aqui no pátio, nossa amiga, ela não ia se importar de tu comeres ela. Procede?
- Procede, seu Agenor.
Ficaram todos em silêncio.
É como eu sempre digo, traidor do movimento é quem pára de se movimentar.
asuhaushaushuahs
ResponderExcluira vaca era nossa amiga!
ahsusahuhas
uhahuauhuhauhauhauhuhauha
ResponderExcluirEu não tenho palavras.
Imaginei tudo só pela riqueza das imagens que descrevestes. A faca do tamanho do braço é no mínimo preocupante, enquanto seus trajes... Bem... Tudo bem com a blusa do PT, com o cabelo oleoso, mas o boné do pateta complica.
Beijos, adorei a história!
ai, coitado!
ResponderExcluirrisos!
Mas, com um argumento desses, não tinha como negar.