sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sutilezas da resistência

Ser hippie não é fácil. Eu já falei isso mais de uma vez, eu sei, mas cada vez que recordo dos tempos difíceis, bate uma depressão.

A coisa que mais incomoda é o julgamento alheio. As pessoas não entendem que não fazer nada faz parte do processo de ser hippie. Não fazer nada é estar sendo hippie. Difícil!

Ninguém entende menos isso do que a mãe da gente, que geralmente é a única pessoa que aceita nos sustentar.

A minha mãe nunca me compreendeu, a melhor coisa que ela fez foi me largar de mão. Mas foi uma difícil batalha até que eu atingisse a tranquilidade necessária. Travei uma guerra cheia de artimanhas e pequenos truques. Eu vivia nos pequenos golpes.
Quando entrei no quinto ano de faculdade a coisa atingiu um patamar crítico.

-Ricardo, quantos anos tem esta faculdade de filosofia? Tu estás tirando medicina?

A minha mãe falava tirar faculdade. Aí não dá. Para uma pessoa que fala tirar faculdade não adianta argumentar que a filosofia é a medicina da alma, coisa que eu tinha lido na parede do Adriano, bar que nós da resistência à burguesia frequentávamos.
Ela estava decidida a ganhar terreno e sentenciou:

-Se tu não trabalhas na rua vais trabalhar em casa. A partir de hoje tu fica com os afazeres domésticos. Lava a roupa da casa, a louça, organiza as coisas. Vai gastar este tempo livre cuidando de nós.

Aí fodeu!

Tinha que passar um bom tempo cuidando do lar e a lida doméstica dá um trabalho que só eu sei. Aprendi de tudo neste período. Passar aspirador no capricho, cera com pano de lã para dar mais brilho, cuidar das roupas para não manchar na máquina. Eu virei um escravo.

Mas entendi o que os pensadores querem dizer quando falam das formas sutis que a resistência assume.
Como ela não largava do meu pé, sempre cuidando se o Ricardinho estava levando a sério a empreitada, eu descobri que lavar roupa era um grande remédio. Nossa lavanderia pegava um sol especial pela manhã. Então toda dia eu lavava roupa. Colocava roupa na máquina, pegava um livro e ficava na área de serviço, olhando o movimento da máquina de lavar enquanto curtia um sol. Quando ela gritava por mim, eu respondia triunfante, ainda deitado na cadeira de praia:

-Já vou mãe. Lavando roupa.

-Cuida com as manchas, Ricardo.

-Claro, vou passar Resolv.

O alvejante me devolveu o branco da paz. Não por muito tempo.

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